Ercilla conta a história simples e comovente de uma freira chamada Elena Alvarez Baeza. Nascida em Antofagasta, Elena veio estudar enfermagem em Santiago e terminou o curso com “distinção unânime”; então voltou para trabalhar em um hospital de sua terra. As outras enfermeiras eram irmãs de caridade; Elena resolveu também tomar hábito, o que fez em 1920.

Um ano mais tarde a Ordem a mandou para São Bernardo, perto da capital. A maior parte dos doentes era de ferroviários e a jovem freira achou que eles mereciam ter um pavilhão especial. Diretores da Santa Casa e outras pessoas a aconselharam a desistir, porque os ferroviários “geralmente são comunistas e gente que não presta”.

A freira insistiu em sua ideia e em 1933 foi inaugurado o Pavilhão dos Ferroviários. Os próprios operários compraram os primeiros colchões e os primeiros lençóis. Nos dias de pagamento muitos traziam algum dinheiro. A direção da Estrada acabou acedendo em cooperar, inclusive contratando médicos especialmente para atender aos ferroviários. Como a irmã Elena passava as 24 horas do dia cuidando só de ferroviários, a direção do hospital não podia conservá-la em sua folha de pagamento; a Estrada de Ferro resolveu pagar-lhe. Aos sábados ela ia, como os demais ferroviários, receber seu salário. Ganha atualmente 300 pesos por dia, o que ao câmbio de hoje dá uns 60 cruzeiros. Graças à sua dedicação, o Pavilhão dos Ferroviários parece hoje uma clínica particular de luxo; cuida-se agora de construir outro. Os ferroviários continuam levando dinheiro e flores para a irmã de caridade: ela arranjou rádios de cabeceira e muitas outras coisas para o conforto dos doentes. O Conselho da Segunda Zona de Ferroviários, a que serve o hospital é composto de radicais, socialistas, comunistas e independentes. A irmã Elena se dá bem com todos e é considerada uma espécie de Dom Camilo feminino; ao líder comunista Manuel Silva ela chama carinhosamente de “Manuelito”.

Há pouco tempo um doente notou que a irmã Elena estava chorando. Depois de muito interrogada, ela confessou que recebera uma notícia ruim: seu padrasto morrera e sua mãe, muito pobre, estava vivendo sozinha na Bolívia. Os médicos da Estrada de Ferro juntaram imediatamente 10 mil pesos para fazer vir para São Bernardo a mãe da irmã Elena. Os trabalhadores resolveram comprar um lote e construir uma casa para a freira morar com sua mãe.

Na semana passada o diretor geral da Estrada, sr. Fernando Cruchagua Santa Maria, foi a São Bernardo entregar uma condecoração a irmã Elena, por 25 anos de bons serviços. O ambiente no hospital era de festa e o presidente do Conselho Ferroviário, um comunista chamado Guilherme Vera Apablaza, disse à irmã Elena:

— Para a festa ser mais alegre a senhora podia pedir ao diretor da Estrada para pagar o fim de semana e o dia de greve...

Os ferroviários haviam feito uma greve de advertência de 24 horas e a direção da Estrada decidira não lhes pagar esse dia, nem também o descanso remunerado, que depende da assiduidade como no Brasil.

Depois de entregar a condecoração, o sr. Santa Maria perguntou à irmã Elena se ela precisava de alguma coisa. A freira respondeu fazendo seu o pedido que, meio a sério, meio de brincadeira, lhe sugerira o líder comunista. O diretor geral Cruchagua Santa Maria disse que era impossível negar um pedido de soror Elena e comentou, coçando a cabeça:

— Madre, esta viagem a São Bernardo foi a viagem mais cara de minha vida. Vai ficar para a Estrada em 3 milhões e meio de pesos!

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