Tem 28 anos de serviço nessa empresa americana, e talvez 45 de idade. Recebeu-nos com toda a cortesia, é o chefe local do departamento de bem-estar e relações públicas (quando um de nós vê o nome do departamento em inglês, exclama: o velho Welfare do Fluminense!) e nos leva a visitar a fundição, nos aloja bem, nos dá de comer. É homem discreto e simpático, e como vamos partir amanhã cedo certamente só voltaremos a vê-lo na estação. Mas ouvimos rumores de que houve uma revolução na Argentina e queremos ouvir rádio esta noite. Ele nos convida para sua casa.
E assim, sem transição, deixamos de enxergar nele um funcionário para ver também um homem, um homem dentro de sua casa. Não sabemos que família terá além dessa mocinha de 16 anos que vamos surpreender colando figuras em um álbum e nos traz a garrafa de pisco. A sala é modesta e confortável; sente-se que esse homem vive em ordem e sem aflições, é um bom funcionário com 28 anos de serviço ― tantos em San Antoni, tantos em Rancagua, tantos em Caletones, tantos em Goya, em Sewell ― todos na mesma empresa; essa mocinha deve ter nascido e crescido ao longo de transferências e promoções, enquanto a cabeça de seu pai ia ganhando entradas mais fundas e cabelos brancos nas têmporas. Sim, não há o que dizer.
Não o interrogamos ― como invadir em um instante a vida de um homem? Ele tem um ar ao mesmo tempo acomodado, sereno e triste, e chega a nos surpreender quando ri de repente, ao escutarmos um programa humorístico em que os atores imitam uma conversa telefônica entre o general Ibañez e o general Perón. Mas logo volta à sua tranquila melancolia. E então, de repente, eu, que tenho vagabundado por tantas empresas e tantos lugares, e vivo eternamente sem horários nem rumos, aos altos e baixos, e tropeções, e só ― eu tenho uma pena absurda desse homem quieto, instalado em sua empresa, em seu país, em sua família, em sua felicidade, em sua saleta.
Olho os móveis, os quadros, o tapete, as revistas, o rádio; a moça foi para dentro, com certeza tem mãe, irmão, com certeza já aprendeu a falar inglês, talvez tenha jeito para piano ou pintura. O homem nos fala de política com vagar e isenção; vê-se que é um cidadão desapaixonado e sensato. A certa altura diz, com uma ponta de orgulho:
― Repararam que daqui não se ouve o barulho da fundição? É que dentro das paredes do edifício há uma camada isolante, de vidro...
Ah, sim, uma camada isolante! Isso, não sei porque, me faz ainda mais triste; uma camada isolante! Não amo camadas isolantes, gosto de ouvir os ruídos do vento, da água, das árvores, da gente, dos bichos, do mundo.... Está claro, se eu morasse perto de uma fundição aprenderia a amar minha camada de vidro e meu silêncio; ela ruge dia e noite com seus fornos acesos, seu cobre vermelho escorrendo nas formas.
Digo que a povoação é bonita, muito melhor que Sewell; aqui pelo menos há árvores.... Seus olhos brilham:
― Muito melhor! Estou muito satisfeito de estar aqui. Vou lhe dizer uma coisa: aqui perto há lugares muito bonitos. Há um lago.... O senhor gosta de pescar? Tiro minhas férias no verão: mas mesmo quando não estou de férias tenho algum tempo para ir pescar. Há trutas e salmões. Tenho um bom aparelho de pesca, americano...
E então eu o compreendo, o estimo e quase o invejo.
― O salmão luta muito?
― Sim! Dá saltos belíssimos!
Ele já não é apenas um funcionário; dentro do funcionário ele preservou o homem e, mais ainda, dentro do homem ele preservou o menino. Poderíamos ser bons, velhos amigos.