O gag mais comum no cinema parece ser aquele sujeito que vê ou ouve alguma coisa muito importante para ele, mas vai andando distraído e só alguns minutos depois bate na testa e “realiza” o que aconteceu.

Eu me sinto um pouco esse pateta do cinema nesta passagem de ano. Fui à casa de um amigo e a vários bares, ouvi os ruídos e dei os abraços da meia-noite, bebi, como é natural, demais; cometi alguns estrupícios indicados pela ocasião — mas só agora, uma semana depois, comecei a “realizar” que o ano acabou.

1954 sumiu como qualquer disco voador, desses que tanto cruzaram pelos seus meses, deixando o povo de nariz no ar e alma no astral. O Brasil levou uns solavancos, houve choro e ranger de dentes — e entrou bufando em 1955 como uma locomotiva cansada subindo a serra, numa curva. Dentro, lá vamos nós, uns a coçar os olhos vermelhos onde caiu poeira, outros a descascar laranja para as damas, muitos contando histórias longas que o barulho das ferragens não deixa ninguém ouvir direito.

E não cumpri sequer minha obrigação de desejar aos leitores um feliz Ano Novo. Aos leitores e principalmente às leitoras desejo isso de todo coração — um 1955 em oiro e azul, com discos voadores particulares coloridos no céu de anil, rima fatal de nosso querido Brasil. Mas quero saudar especialmente, já que uma “pane” de automóvel me impediu de fazê-lo em pessoa, o locutor e bom homem Luiz Jatobá, que nesta emergência fez 40 anos de vida e 20 de microfone; o cronista Jacinto de Thormes, que somou de cachimbo em punho, 10 anos de batente; e Paulo Sampaio, pelos 25 da Panair, essa Panair que é a presença verdadeira do Brasil em tanto canto do mundo — uma saleta onde em vez de um funcionário perguntar ao brasileiro, com tédio, o que ele deseja, começa a conversa assim: “O senhor aceita um cafezinho? Já viu os jornais do Rio que chegaram ontem”?

Além dessas saudações em voz alta faço outras e, especialmente uma em silêncio, que de todo coração, espero seja ouvido. Falei muito, e às vezes demais, durante o ano inteiro. Mas neste momento o ano passa por mim, o Tempo está passando por mim, e no fluir de suas horas quero ter a ilusão de me deter um pouco à sua margem para mirar e abençoar as almas queridas.

rubem-braga
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