Periódico
Correio da Manhã

Publicada, posteriormente, em Ai de ti, Copacabana, Editora do Autor, 1960.

Alta, muito alta, e branca, muito branca, de olhos verdes.... Sonhei ter visto uma jovem assim? Terei sonhado ou sonhei que sonhava; não sei; essa moça devia ser irmã da árvore; o que vi foi a árvore, a vez primeira em noite de luar, erguendo para a noite azul os seus galhos unânimes. Mas de manhã, quando abri a janela, e o sol nascia sobre a cordilheira, é que ela esplendeu em toda sua beleza. Em muitos caminhos da Europa e do sul do Brasil vi essa arvore; é um álamo, e foram os álamos que inventaram todas as alamedas deste mundo. Em minha rua santiaguina também há muitos; mas o mais alto de todos, o mais forte em viço, em beleza, está junto à calçada, no meu jardim.

Sou um homem confuso e distraído: minha rua chama-se Roberto Del Rio e na primeira madrugada, quando voltava para casa, disse ao chofer que morava em Roberto Del Mar. O velho chileno riu muito dentro de seu casaco escuro, atrás de seus bigodes brancos; mas quando chegamos à rua e ele me perguntou o número da casa não precisei puxar meu caderno de endereços para responder; apontei a mais de cem metros o meu álamo real.

Nenhuma árvore se lança com tanta veemência para o alto; lança-se o enorme tronco muito branco, lançam-se todos os galhos cobertos de folhas, num impulso de chama verde, vinte jatos de água partindo todos para cima, ao longo da mesma reta vertical.

Há um pinheiro estático e extático, há grandes salso-chorões derramados para o chão, e a graça menina de uma cerejeira cor de vinho, que o sol oblíquo acende e faz fulgurar; mas o álamo junto do portão tem um vigor e uma pureza que me fazem bem pela manhã, como se toda manhã, ao abrir a janela, eu visse uma jovem imensa, muito clara, de olhos muito verdes, de pé, sorrindo para mim.

rubem-braga
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