30/09/1972

De Vila Isabel para o Brasil

Periódico
Jornal do Brasil

Publicada, posteriormente, nos livros A descoberta do mundo, 1984,  pp. 676-677, e Todas as cronicas,  2018, pp. 520-521.

Telefonaram-me pedindo que eu praticamente anunciasse, do meu canto no “Caderno B” ao mundo, vasto mundo, eu que não me chamo Raimundo, que anunciasse uma nova instituição apenas nascente: o Clube Nacional de Poesia.

Não acredito em poesia clubificada, acho que ela é, como todo trabalho criador, inclubificável. É apenas uma comunhão solitária com um leitor desconhecido que às vezes se manifesta e por um instante nos aquece o coração cansado pelo esforço de viver.

Mas acredito, de forma não clara e elaborada, no rapaz que me telefona e que tem 16 anos, residente em Vila Isabel. Sem maiores rodeios pede que eu anuncie em minha coluna o evento tão importante. Importante para ele, pelo menos. E através dele procuro em mim um pouco de ternura pelo ente de Vila Isabel que acredita numa união nacional com bases poéticas.

Anuncio, pois, esse gesto de desenvoltura súbita do rapaz tímido: fundou-se a poesia. Se já é um clube nacional, só não é mundial porque tanta audácia se assusta um pouco a si mesma. Inaugura-se a poesia como resposta estertorada talvez à mecanização nossa nesta chamada “sociedade de consumo”. Sou poeta, eis o partido que me resta, eis em que resulta a minha luta – parece dizer o rapaz. E, não contente de se fundar a si mesmo na idade já algo experiente de 16 anos, envolve o Brasil inteiro na sua exclamação de tanta boa-fé e de ingenuidade. (Um dia culpei-me, diante de Carlos Drummond, por ter sido ingênua demais, e ele me consolou dizendo que ingenuidade não era defeito. Ouviu, moço? não se ofenda, pois). Há algo de sadio e simpático no rapaz. Envergonho-me de nunca ter acreditado na eficácia de um clube de poesia. E arrependida de minha desistência prévia, procuro aderir embora sorrindo ao manifesto. Fundemos um manifesto nacional poético como única solução para os nosso males. Com a poesia oficializada pelo moço de Vila Isabel instauramos o amor como remédio à solidão de quem ousa se individualizar na massa humana e compacta e transformada em robô. Por um decreto do rapaz, estamos livres. Está bem. Aceito a minha nova liberdade.

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