O calor são doze pessoas que você não quer ver nem a cara a imprensar os corpos de encontro ao seu. Você está sempre num elevador no centro da cidade, elevador correndo para os lados, a olhar para cima o ventilador parado, o cabineiro deixando pingar o suor na farda parda. 

O sol é secundário, calor são as pessoas a fazer perguntas, querendo pegar na mão, olhando nos seus olhos, pedindo coisas, dando coisas. Se pudesse ficar sozinho, não sentiria calor, nem precisaria do ar condicionado: entre o teto e o chão da minha casa estaria eu ‒ refrigerado e a refrigerar. 

As pessoas que sentem muito calor são as que mais o fazem. Deveriam ir para fora, para Araruama, por exemplo, e se contentar com o vento, o sal e um bronzeado. Faria menos calor aqui no Rio, eu abriria e fecharia menos a geladeira, minha boca se contentaria em sorver refrescos, meus ouvidos se acalmariam com os pedaços de gelo batendo de encontro ao copo. As pessoas sentem calor e nos procuram como se fôssemos uma praia, com barraca e mar. Não tem o que dizer, querem nos ouvir falar, e vêm à nossa casa como se fosse um vernissage ou uma sala de conferências. Vão à praia: fechem os olhos; ponham os óculos escuros; deixar queimar; banhem-se. Façam tudo isso. Façam todos os gestos, todos os programas em que o silêncio esteja envolvido: ele é parte de vocês. E é meu também, se eu o puder recapturar.

O pouco que fiz ‒ de bem e de bom ‒ foi feito com silêncio, em silêncio, pelo silêncio. Coisas de sombra, brisa, fim de tarde. Cada vez que pronuncio uma frase, formulo uma sentença, sujeito, predicado e verbo, sinto-me como se tivesse perdido uma coisa. Cada vez que vejo uma pessoa de cara amarrada ou triste e, dizendo eu uma besteira qualquer, vejo-a dois minutos depois sorrindo, sinto-me, mais uma vez, como se tivesse perdido outra coisa (não que me tenham tirado, foi perdido e por mim só). O muito falar, a importância que se dá ao falar, é roubar-se da ordem das coisas encontradas a sós na solidão.

Calor dá vontade de falar, ou ouvir. Experimente ficar sozinho um pouco, repare então: ligou-se o inverno. As coisas frias não têm barulho, são aconchegantes, e bastam para dois, no máximo. Dois é o quanto basta. Três já é verão, chopada, acaba mal.

Vamos fazer isso então: lavar bem o rosto, molhar os pulsos, abrir as cumbucas de gelo e ficar quietos: tem vitrola, barulhos mornos na janela (você ouve o mar se quebrar), dá para um escutar a respiração do outro. E depois, quietos assim, se baterem na porta a gente escuta e não precisa atender. Ficamos lá, quietos, quietos, admirando-se mais. Não tem calor, não tem frio, o relógio parou às dez horas, não tivemos que dizer nada. Tudo que houve, ou terá que haver, é mansidão. Com poucas palavras, raros gestos e uma imensidão de coisas pequenas, mexendo-se, mornas, como se houvesse no canto do quarto uma porção de cachorrinhos recém-nascidos e nós estivéssemos apenas de passagem assistindo. E nós estamos ‒ escute bem ‒ apenas, apenas, apenas de passagem.

ivan-lessa
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