Uma das coisas boas da vida é não ter que ir ao teatro. Mas a gente só descobre isso quando tem de ir ao teatro. Mesmo sem gravata, teatro é muito chato. E depois não descobriram ainda uma solução para os intervalos. Fica todo mundo pelos corredores fazendo cara de quem está achando alguma coisa da peça e dos atores. Tudo porque se julgam na obrigação de ter uma opinião séria a respeito do teatro: as críticas são tão compenetradas, os atores tão sensíveis, ou autores dizem coisas tão sérias... Todo mundo tem medo de dizer: “Mas isso é uma besteirada horrível e não quer dizer absolutamente nada e nunca encontrei na minha vida quem falasse feito esse personagem e se encontrar viro a cara imediatamente!”. Basta uma coisa ocupar um espaço razoável nos jornais, durante determinado período, para todo mundo ter medo de rir. Agora experimente dizer isso para alguém de teatro. Ele é capaz de bater em você. O ator, por exemplo, fala de sua profissão como o dr. Schweitzer falava de seus hospitais na selva, como se houvesse algo de sagrado em se pintar todo e aparecer debaixo de um facho de luz dizendo coisas que ele não entende de uma maneira que todos entendam.

Aqui no Rio ‒ deve ser em todo Brasil ‒ o espetáculo-festinha continua, sem enredo, mas com texto, sem drama, mas com “ão” (todos terminam em “ão”: Opinião, Reação, Perversão). Descobriram que tá dando um dinheirão, embora se recusem a admitir que façam teatro para ganhar a vida, e encarem o dinheiro como uma espécie de moléstia diabólica, altamente contagiosa a necessitar urgentemente de extirpação. Quem sabe para o ano descobrem que o negócio é show (com um pouquinho de bossa nova aqui e ali para dar gosto) em “inho” ou “íssimo”. Os shows em “inho”, naturalmente, ficariam todos a cargo de Vinicius de Moraes; em “íssimo” seriam todos na cidade, bem fora da mão, com o mínimo de conforto possível e na sala de pingue-pongue de grêmios recreativos obscuros. Mas seriam feitos com um sorriso esperto trocado entre participantes e espectadores que em miúdos significaria: Brecht é fogo, hein? A gente ‒ eu e você ‒ mania Brecht, não é mesmo? E repare como ele tem coisas a dizer dentro da atualidade brasileira. Você vai se sentir lisonjeado com aquela intimidade, afinal os realizadores estão incluindo você ‒ dando parceria ‒ na sua sofisticada percepção dramático-sociológica. Você está mal sentado, é verdade, mas a rapadura do conhecimento humano está sendo dividida com você. A equipe é a mais profissional possível (os preços também) do contrário seria impossível montar esse espetáculo com grifos tão amadorísticos.

Ator é um camarada que fica em casa bolando algo inteiramente inútil feito montar Hamlet em mímica. Diretor é aquele outro que dirige esse espetáculo. Empresário é o que o financia. E o pato ‒ que vinha cantando alegremente coén, coén ‒ o pato, meu amigo, é você.

ivan-lessa
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