A nota do jornal dizia que o novo filme nacional trataria desde o problema da falta de comunicação até a solidão, a angústia, a depressão, os pileques coletivos e finalmente um corpo nu encontrado da praia.

O Cinema Novo descobriu a incomunicabilidade em 1965. E, é claro, a alienação, que as duas só andam juntas. 1966 vai ser um ano incomunicável e alienado como o que. As incomunicabilidades começam nos bares da zona sul e terminam na sala de corte da cinegráfica. No meu tempo falavam muito em problemática e vivência: agora é incomunicabilidade para cima e alienação para baixo. 

Incomunicabilidade, para mim, é a falta de fichinhas para o telefone na caixa registradora da única farmácia aberta às três da manhã; é um camarada com fome tentando chamar o garçom; o lápis de ponta quebrada; a caneta sem tinta. A incomunicabilidade é o estado em que se encontra o delituoso grave e afônico agudo. A única incomunicabilidade que aceito, numa arte menor como o cinema, é a do diretor com sua plateia, do ator com seu diretor, do maquiador com o operador de som (estão sem falar há dois meses, brigaram devido a uma aposta).

Incomunicabilidade pega? Pega. Logo virá por aí o samba-incomunicação, feito aquele do telefone ocupado (coén-coén). Um show de bolso: Incomunicabilidade. Revista em quadrinhos: O faroeste incomunicável. Isso sem falar numa enxurrada de filmes: O cangaceiro incomunicável, Somos todos incomunicáveis, Maior que a incomunicabilidade, Vereda da incomunicação e, finalmente, com Palma de Ouro, em Cannes, O pagador de incomunicabilidades.

As découpages cinematográficas sairão assim: “Câmera em extreme close incomunicável no rosto de Nair ‒ Conflito interior e alienação ‒ Corte para panorâmica incomunicável do apartamento elegante e incomunicável de Alberto, um arquiteto de alta sociedade elegante e alienado (no fundo também é incomunicável)”. Tudo com muita caixa alta, bem ao gosto do Cinema Novo.

Chato vai ser quando a incomunicabilidade chegar às boates e às boutiques: “Glorinha, meu anjo, que beleza de incomunicabilidade a sua! Aonde é que você comprou? A minha eu trouxe de São Paulo. Custou uma for-tu-na! Você já viu a da Dirce? Ela diz que é importada... Mas, olha, importada da rua da Alfândega... Tem um turco lá que vende umas lindas que você jura que são francesas...”.

E há ainda os que confundem incomunicabilidade com o rosto de Monica Vitti, quase oculto por trás daquele cabelo todo. E outros que ainda vão mais longe: confundem incomunicabilidade com Monica Vitti simplesmente. Pior que esses, só aqueles que não querem saber de nada: é uma incomunicabilidade atrás da outra, sem cabelo, sem Monica, sem Antonioni, com pileques coletivos e um corpo nu encontrado na praia, em pleno estado de incomunicação, é claro.

ivan-lessa
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