Os cantores são uma gente boa. Admiro o homem e a mulher que se ocupam de seu tempo aqui na terra erguendo a voz no prazer simples ‒ não é tão simples assim ‒ e puramente físico ‒ nem tão físico ‒ de cantar.

Repare nos olhos do cantor, certas linhas em torno da boca: têm uma profundidade que os outros não têm. Gostaria de conhecer melhor os cantores como pessoas. Conheço, um pouco, Agostinho dos Santos. E não me canso de me espantar. O Agostinho parece que está sempre no sábado chegando em festa. Essa festa o Agostinho leva com ele e faz questão, tenho a certeza, de que todos seus amigos estejam convidados. Um contrabaixo invisível deve seguir o Agostinho pelas ruas marcando o compasso, ali adiante está a bateria e ele tem sempre os gestos de quem leva um violão. Agostinho é um trio, um quarteto, um octeto ‒ vá lá: uma orquestra ‒ em plena função 24 horas por dia. Os sonhos do Agostinho têm cordas, percussão e vêm em 3/4 e 6/8 dependendo do dia (mas isso já está parecendo contracapa de LP, mudemos, pois, de cantor e de parágrafo. Aquele amplexo, major). 

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Cantor, em geral, não entende muito da gente, nem faz por entender: faz muito bem, tem toda razão. Há os que fazem música e os que não fazem música. Pertencemos a última categoria? Perfeito, então calemos e escutemos. Cantor tem mais a dizer que a gente. E mais a fazer também, principalmente agora que descobriram que têm braços. Os braços, já dissemos uma vez, foram introduzidos na moderna música popular brasileira pelo ítalo-americano Lennie Dale. Lennie chegou ao Brasil em 1963. Não veio de avião: veio a braçadas. Hoje estão todos de frente para o microfone, nadando nos mais variados estilos: crawl paulistano, butterfly do Beco, etc. Eu sou antiquado: prefiro cantor com voz. Em nado livre mímico-vocal aceito os estilos de Elis Regina e Jair Rodrigues. Wilson Simonal não vale, é norte-americano, conforme descobriu o pesquisador aí de cima, o Mr. Eco. E além do mais, ainda não se naturalizou.

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E Billie Holiday? Daí eu falo em Billie Holiday e não há mais conversa em matéria de cantor e cantora. E Billie Holiday? Boa pergunta. Uma voz que é uma escada tentando se galgar a si mesma, li em algum lugar, ou escrevi noutro. Billie Holiday: polpa e cerne; carne e fruto; nervo e sangue; aquele longo fio negro; numa ponta gardênia; na outra seringa de injeção.

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A diferença entre palavra escrita e palavra cantada é esta: há mais gente envolta na tarefa de escrever; cantar é feito a sós, por um só, em geral de pé.

ivan-lessa
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