Desde que sou colunista recebi ao todo três cartas, todas de loucos. A terceira chegou agora, e é uma vergonha. Vem assinada por Heitor Coaraciaba que dá, inclusive, seu endereço. No momento, não a reproduzo. Mais tarde, se for necessário, eu o farei. Mas examinemos a carta do Sr. Coaraciaba. Num sentido global ela é contra os intelectuais do Glória, também conhecidos como “8 da OEA”. Quero deixar bem claro, antes de transcrever os pontos altos (ou pontos baixos) da missiva do Sr. Coaraciaba, que não concordo com uma só palavra. Acho que ele é um reacionário safado, mau caráter, desonesto, irresponsável e inconsciente. E se ele quiser briga, estou nesta redação todos os dias, entre meio-dia e uma da tarde.
Selecionamos apenas os trechos mais sórdidos, que aqui citamos como exemplo de vilania e miséria moral:
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“Por que reclamaram tanto da prisão dos intelectuais? Se há alguém que possa ser preso é intelectual. Prisão faz um bem danado a intelectual: veja Dostoievsky. E eles não estavam doidos pra serem presos? Andavam por aí cheios de claustrofobia nas avenidas, nostálgicos de grades; o inquérito, seu diálogo, a interrogação, sua expressão. Tinham um medo horrível de não serem presos... A calma e a disciplina da prisão são propícias à leitura de Proust... Vi as fotos de Tiago de Mello imobilizado por um policial logo no dia seguinte: ocorreu-me o seguinte pensamento: depois do Martírio de São Sebastião, nada me emocionou tanto quanto A Imobilização de Tiago... Os 8 da OEA são 9 ou 8 e 1/2 (feito o Fellini)? Foram influenciados por quem? Os 18 do Forte, os 7 de Atenas, os 600 de Balaclava, os 10 mil de Xenofonte, Renato e seus Blue Caps ou o 10 de Copas? ... E por que que cineasta, diretor de filme, é tido, no Brasil, como intelectual? ... Jornalisticamente falando, “Preso o intelectual” tem o mesmo peso emocional de "Estuprada a virgem”... Resumindo: os intelectuais queriam ser presos: foram. Os intelectuais-livres exigiram a libertação dos intelectuais-presos (contrariando assim o desejo inicial dos intelectuais-presos). Os intelectuais-presos foram soltos. Os intelectuais-presos voltaram ao seio dos intelectuais-livres, formando uma ala única de intelectuais, simplesmente. Dai então todos juntos rezam uma missa em Ação de Graças. Graças a terem sido presos? Graças a terem sido soltos? E como é que eles podem gozar a CAMDE depois disso? ... E por que envolver o Altíssimo?... Na prisão, brincaram de governo; o senhor não acha isso embaraçosamente revelador?... Além de Proust, os intelectuais recebiam, na prisão, torta de maçã, Marlboro, e milk-shake do Bob's (bem batido). Isso não é engraçado?... Repares que todo intelectual preso sai contando que havia um coronel lúcido, finíssimo, culto e inteligente. Deve haver muito coronel lúcido, finíssimo, culto e inteligente, mais até do que pensávamos... Já viu algum deles na rua: estão de expressão indecisa: não sabem se fazem cara de quem sofreu as amarguras do cárcere ou de quem vai cantar “Carcará”... E, depois, estão sempre sendo presos e soltos, soltos e presos, parece um bonde que eles pegam de manhã pro trabalho”...
O Sr. Coaraciaba ainda vai se dar mal. Se me perguntarem, dou o endereço e o telefone dele.