Extraviei-me pela cidade na tarde de sábado e então me deixei bobear um pouco pela Cinelândia. Foi certamente uma lembrança antiga que me fez sentar na Brasileira; e quando o garção veio e perguntou o que eu desejava, foi um rapaz de quinze anos que disse dentro de mim: “waffles com mel”.
E disse meio assustado, como quem se resolve a fazer uma loucura.
Não sei por que, para aquele estudante de quinze anos, que dispunha apenas de 50 mil réis mensais para suas despesas pequenas, “waffles com mel” ficou sendo o símbolo do desperdício; era uma pequena loucura a que se aventurava raramente, sabendo que iria desequilibrar seu orçamento.
Talvez viesse do nome inglês o prestígio dos waffles. E me lembro de ter encontrado na Cinelândia uma jovem rica de minha terra; aventurei-me, num gesto insensato, a convidá-la a entrar numa confeitaria e, depois de lhe ofertar, como um nababo, “waffles com mel” (lembro até hoje seus dentes brancos e finos), levei minha loucura até as últimas consequências, depois de meia hora de conversa, para prendê-la na mesa (a tia esperava numa porta de cinema), de fazer questão absoluta que ela provasse uma Banana Real! Era um insensato, o moço Braga.
Mais tarde, já na faculdade e morando no Catete, me lembro que sábado de tarde às vezes a gente metia uma roupa branca bem limpa, bem passada (depois de vários telefonemas à tinturaria) e vínhamos, dois ou três amigos, lavados, barbeados, penteados, assim pelas cinco da tarde, fazer o footing na Cinelândia. E estavam ali moças de Copacabana e do Méier, com seus vestidos de seda estampados, a boca muito pintada, borborinho entre as confeitarias e os cinemas. Não nos davam lá muita atenção essas moças: seus pequenos corações fremiam perante os cadetes e os guardas-marinha, mais guapos e belos em seus uniformes resplendentes, com seus espadins brilhantes.
Tudo isso passou: o sábado inglês, as dificuldades do trânsito e o próprio tempo agiram e, nesta bela tarde de sábado em que me extravio pelo centro, há apenas alguns palermas como eu zanzando pela Cinelândia. Só agora reparo nisso e então me sinto um velho senhor saudosista; não há mais sábado na Cinelândia, creio que não há mais cadetes nem guardas-marinha, todos são tenentes-coronéis, capitães de corveta e de fragata, perdidos em Agulhas Negras, quartéis, cruzadores recondicionados, nesses mares do mundo.
E Rui Morais, João Madureira, Miguel Sales, todos sumiram pela vida adentro, cada um no seu canto, com sua família – tenho a impressão de ter sobrado, terrível retardatário, na tarde da Cinelândia, diante dos waffles melancólicos e, se tivesse um amigo ao lado, diria a ele, com a voz enjoada de um senhor idoso: “Nem se compara: a Americana antiga era muito melhor...”