Esse homem deve ser de minha idade – mas sabe muito mais das coisas. Era colono em terras mais altas, se aborreceu com o fazendeiro, chegou aqui ao Rio Doce quando ainda se podia requerer duas colônias de cinco alqueires “na beira da água grande” quase de graça. Brocou a mata com a foiça, depois derrubou, queimou, plantou seu café.

Explica-me: “Eu trabalho sozinho, mais o menino meu”. Seu raciocínio quando veio foi este: “vou tratar de cair na mata; a mata é do governo, e eu sou “fio” do Estado, devo ter direito”. Confessa que sua posse até hoje ainda não está legalizada: “Tenho de ir à Linhares, mas eu “magino” esse aguão...”

No começo não tinha prática de canoa, estava sempre com medo da canoa virar, o menino é que logo se ajeitou com o remo; são quatro horas de remo lagoa a dentro. Diz que planta o café a uma distância de 10 palmos, sendo a terra seca; sendo fresca, distância de 15 palmos. Para o sustento plantou cana, taioba, inhame, aipim, mandioca, milho, arroz, feijão. Disse que uma vez foi lá um homem do governo e proibiu (“empiribiu”) armar fojos e mundéus, pois “se chegar a cair um cachorro de caçador eles mete a gente na cadeia e a gente paga o que não possui”.

Olho sua cara queimada de sol; parece com a minha, é esse mesmo tipo de feiura triste do interior. Conversamos sobre pescaria de robalo, piau, traira. Volta a falar de sua terra e desconfia que eu sou do governo, diz que precisa passar a escritura. Não sabe ler, mas sabe que essas coisas escritas em um papel valem muito. Pergunta pela minha profissão, e tenho vergonha de contar que vivo de escrever papéis que não valem nada; digo que sou comerciante em Vitória, tenho um negocinho. Ele diz que o comércio é melhor que a lavoura; que o lavrador se arrisca e o comerciante é que lucra mais; mas ele foi criado na lavoura e não tem preparo. Endireita para mim o cigarro de palha que estou enrolando com o fumo todo maçarocado. Deve ser de minha idade – mas sabe muito mais coisas.

rubem-braga
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