Fernando Sabino morava na avenida Copacabana, a dez metros do cinema Metro, e eu morava na avenida Copacabana, a dez metros do Fernando Sabino. Tinha alugado um quarto no décimo andar, oito andares acima do apartamento de Carlos Lacerda. Foi nos fins de 1945.
No apartamento do Fernando, numa noite de descaramento etílico, propus a Vinicius que escrevêssemos, no momento, um soneto a quatro mãos. Ele acedeu. Não é essas coisas, mas vale como lembrança. Guardo o manuscrito (a duas mãos) e o soneto foi ainda publicado no suplemento dominical do Correio da Manhã. Ei-lo:
Tudo que existe em mim de amor foi dado.
Tudo que fala em mim de amor foi dito.
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.
Tão pródigo de amor fiquei coitado,
Tão fácil para amar fiquei proscrito.
Cada coisa que dei ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.
Tendo dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.
Pois, se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano.
Vinicius de Moraes, 1988.