Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II, p. 377. Publicada, originalmente, na revista Careta, de 16/07/1921.

 Não há dúvida alguma que a aproximação do produtor do consumidor é negócio proveitoso para os níqueis deste último.

Foi com esta tenção que o Senhor Dulfe instituiu as feiras livres que atualmente se realizam em várias partes deste Rio de Janeiro.

Nas minhas vizinhanças, isto é, no Méier, há uma delas. Lá fui ter. Não era muito cedo. Não me levanto às primeiras horas do dia, embora seja pobre. Fui às oito horas da manhã. Que lindeza de moças e senhoras!

Nunca as vi tão lindas nem mesmo na Rua do Ouvidor que frequento desde os dezesseis anos, quando me matriculei na Escola Politécnica.

Naturalmente, um homem como eu, estando em “feira livre” e vendo tanta moça bonita, havia de ficar contente.

Não aconteceu isto, porém, porque encontrei um ferrabrás que logo implicou comigo.

Esse vagabundozinho dos subúrbios é um tipo lá daquelas bandas que a gente não sabe como vive. Toma uns ares de valentão e não faz nada.

A vida corre-lhe fácil e, sem dificuldades e aborrecimentos, vai comendo o seu feijão e carne-seca. Aparece um dia, entretanto, um outro tipo que não está disposto a respeitar-lhe semelhante lordismo, logo ele se esvai. Foi o que aconteceu com este tal de Bragalhães, que vivia com a função feminina de vender “bruxas” de pano e serragem.

Fiquei admirado que essas feiras livres de gêneros de primeira necessidade, isto é, arroz, feijão e carne-seca, fossem também negócio de brinquedos, tal e qual as de Leipzig, mas me contive.

Embora não tivesse exprimido o meu pensamento, esse tal de Bragalhães compreendeu-me e me interpelou. Aí que foi a história! 

Nunca ando armado, nem gosto de armas; ele, porém, que é muito valente, tanto assim que tem prontuário na polícia, honra que não me cabe, puxou canhão 420 e quis fazer um disparo. O tal de Bragalhães, porém, não o sabia disparar. Está aí um desastre.

Neste momento chega o Tácito de Morais Wernes, tenente-coronel do Exército, acompanhado do seu cabo de peça, capitão Bartolomeu Klier, e logo regulam o canhão, põem-no em posição e fazem o disparo. Bragalhães foi pelos ares...

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