Sua mãe, que era prima de seu pai, teve 14 filhos; a maioria morreu com dias ou meses. Esse menino magrinho, muito claro, de olhos azuis, resistiu, e cresceu naquela Itabira do Mato Dentro no começo do século onde, terminado o curso primário, não havia mais o que estudar. Infenso à vida rude na fazenda paterna (subia numa goiabeira, ficava lendo uma revista velha) foi mordido por um cavalo manso e caiu espetacularmente de um outro também manso, o que lhe produziu grande humilhação. Para não ficar à toa foi ser caixeirinho de uma loja, vendendo artigos de armarinho e também gêneros do país. Não tinha salário, mas no fim do ano o patrão lhe deu um terno de casimira zebrado, com suas primeiras calças compridas, grande acontecimento; aparece com elas em uma fotografia de família. Escrevia umas coisas no balcão, nas horas de ócio, e para permitir seu ingresso com menos de 14 anos foi preciso reformar os estatutos do Grêmio Dramático e Literário Artur Azevedo, onde pronunciou uma conferência sobre a “Descoberta da América”, tendo o pai viajado muitas léguas a cavalo para assisti-la.
Como o menino não dava mesmo para coisa alguma (normalmente seria destinado à fazenda) foi mandado estudar no Colégio Arnaldo, de Belo Horizonte (contemporâneo: Gustavo Capanema), de onde foi para o “Colégio Anchieta” de Nova Friburgo (contemporâneo: Arturzinho Bernardes), onde passou dois anos interno, muito carola, e com notas ótimas, até que teve um incidente com um professor que o expulsou da aula e lhe deu 4 no exame; fez uma carta ao padre reitor explicando que não achava justo tirar 4 em português, ainda mais que soubera que a nota fora por comiseração; não queria comiseração e sim justiça. Resposta: nota zero, expulsão do colégio por indisciplina mental, coisa extremamente chocante para um menino acostumado a ganhar “dignidades” com medalhinhas que o nomeavam “general” ou, pelo menos, “coronel”. Resultado: profunda descrença na justiça humana e também na divina; moral abatidíssima, que se ergueu um pouco no trem, de volta para casa, ao namorar uma menina. A menina desceu em Entre Rios, o abatimento voltou. Quando soube que o padre Juquinha morreu em um desastre de bonde São Clemente quinze dias depois (*), não pôde evitar uma certa alegria e mesmo alguma nova esperança na justiça divina. Agora a família vive em Belo Horizonte e o rapazinho cai na vadiação; jamais terminará seu curso secundário. Conhece Abgar Renault, Milton Campos, Pedro Nava, entra para a Escola de Farmácia (porque não exigia preparatórios) e ao fim de três anos se forma sem jamais ter pisado em um laboratório nem ousado aplicar uma injeção. Tendo adoecido o orador da turma, discursou em seu lugar.
Fase de madrugadas boêmias em que põe fogo à casa da família Vivacqua (namorava uma das moças) junto com Pedro Nava; os dois ajudam a apagar, lutando heroicamente, mas são suspeitos, e o noivo de uma das moças agride Carlos no Hotel Avenida. Apostas com Orlando de Carvalho sobre travessia do viaduto da Central, com perigo de morte; quebra de cinemas e bondes, “enterro” de um delegado, quando pronuncia o único discurso de sua vida, visitas ao Cemitério, madrugadas gastas em arrancar placas de advogados e médicos, pequenas aventuras gratuitas e arriscadas.
Milton Campos não as aprova nem desaprova, é o elemento moderado da turma e parlamenta com os ofendidos.
Essa vagabundagem lírica termina com um noivado. Para casar é preciso ter emprego; vai para Itabira com um lugar de professor de ginásio. De lá o faz vir Alberto de Campos, que o põe na redação do Diário de Minas. Para espanto geral, principalmente do pai, ele se mostra um trabalhador aplicado e excelente, Rodrigo M. F. de Andrade o recomenda a Chico Campos (secretário do Interior); trabalha na Revista do Ensino, faz a campanha da Aliança Liberal no Minas Gerais, depois vai ser oficial de gabinete de Cristiano Machado, com Gabriel Passos e Teixeirão. Nessa qualidade participa da revolução de 30, ajuda a vitória redigindo telegramas e transmitindo ordens; quando o 12º R.I. se rende, partem todos para Barbacena, Carlos tem uma pistola e um binóculo de campanha, entrada triunfal em Juiz de Fora, a Pátria está salva. Trabalha depois com Capanema, na secretaria do Interior e na Interventoria, mas quando Valadares é nomeado vai para os Diários Associados.
Em 1934 Capanema é nomeado ministro, ele vem para o Rio e trabalhará com o amigo até 1945, quando sai de seu gabinete para não comprometê-lo por ter assinado um telegrama de protesto contra os tiroteios em que morreu o estudante Demócrito, no Recife. Visita Luis Carlos Prestes, entusiasma-se, é um dos diretores da Tribuna Popular, órgão comunista, onde fica 3 meses e mal consegue escrever 3 linhas; só há um diretor que dirige mesmo, é o que representa o Partido; o resto, inclusive ele, é apenas para enfeitar. Quando o PC fica ao lado da ditadura, Carlos deixa o jornal com uma carta, e em breve passará a ser atacado pelo partido, a que jamais pertenceu. Hoje é chefe da Seção de História da Divisão de Estudos e Tombamentos (diretor: Lúcio Costa) da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (diretor: Rodrigo) onde é considerado funcionário exemplar. Gosta do emprego porque só precisa lidar com igrejas e casas velhas; atualmente escreve crônicas (C.D.A.) na 4ª página do Correio da Manhã.
Sua carreira literária foi a princípio estimulada pela irmão mais velho, Altivo, depois sofreu grande influência de Alvaro Moreyra, mais tarde de Mário de Andrade, que em inumeráveis cartas criticava rigorosa e ternamente seus primeiros poemas. Publicou, em versos: Alguma poesia (1930), Brejo das almas (34), Sentimento do mundo (40), Rosa do Povo (45) e Claro Enigma (51) e em breve nos dará Poesias completas (na Zé Olympio, com uma parte de poemas inéditos) e Poemas traduzidos, além de uma possível História e antologia da Pedra no caminho com que se livra do recalque motivado por esse pequeno (e bom) poema de 1929 longamente gozado pelos antimodernistas. Publicou ainda O Gerente (45) que é uma novelinha, Confissões de Minas (44), crônicas, Contos de aprendiz (51) e Passeios na ilha (52), crônicas.
Teve um filho que logo morreu e uma filha, Maria Julieta, que considera sua crítica ais implacável e ao mesmo tempo compreensiva. “Juju” antes dos 20 anos publicou uma novela que espantou a crítica pelo segurança de estilo, depois casou-se com um argentino e foi morar em Buenos Aires, tem dois filhos. Pai, avô e até sogro extremoso, o poeta já foi lá três vezes, suas três únicas viagens fora da rotina Rio-Minas.
Tem vida muitíssimo recatada, dá a mão sem apertar, não gosta de conversar com ninguém na rua, e sua timidez orgulhosa lhe rende muitas antipatias; cultiva poucas amizades. Quando empolgado por alguma campanha é de uma espantosa atividade, intemerato, de um ardor místico; depois se enfurna em casa, na família e nos livros. Tem várias coleções de recortes sobre literatura e outros assuntos, ama fichários e dicionários, é organizado e altamente eficiente e bem informado. Já teve um livro de poemas traduzido em Buenos Aires e outro em Madri; e não esqueçamos de dizer que é um dos mais altos poetas desta nossa língua em todos os tempos.