Fonte: A revolução das bonecas, Sabiá, 1967, pp.  12-14. Publicada, originalmente, no Jornal do Brasil, de 3/01/1963.

1 ― A minha solidão está ardendo feito pimenta.

2 ― Abjuro Papai Noel, pelo silêncio que há no céu. O seu nome malho, pela servidão do trabalho.

3 ― Uma crença, uma esperança! Pelo amor de Deus.

4 ― Quando Zaratustra desceu da montanha e ingressou numa aldeia, viu dois homens conversando; e pareciam muito preocupados. Ao passar por eles, Zaratustra ouviu este pedaço da conversa: “Pode crer, ele não encontrou resposta, não”. Zaratustra refletiu, entre risonho e atravessado pelo apunhalante desespero: “Esses dois homens não me conhecem e, no entanto, estão falando a meu respeito”. Porque Zaratustra é aquele que não encontrou resposta.

5 ― A humilhação que é acordar depois de uma noite desesperadamente festiva. Na última noite do ano, a angústia masculina só encontra consolo na compadecida contemplação das mulheres. Elas são trágicas, as mulheres! Elas dormem todas as noites com o Tempo no coração ― essa flor carnívora. O macho angustiado diz: “A vida seria intolerável para um homem, se sua obrigação primordial não fosse gerir, aliviando-a, a angústia da sua fêmea”. O homem vive porque sem ele a mulher não teria desculpas.

6 — Quando você acorda depois dessa noite desesperadamente festiva, o seu nome é Animal Doente. Devia haver uma lei sacramentando que nessa hora houvesse a Mulher ao lado do Homem, para que este último pousasse a cabeça num colo e chorasse.

7 ― Eu quero ser um exemplar do mau exemplo que é existir.

8 ― Quando veio a madrugada, minha Senhora, pedi licença para chorar em vossa presença. E chorei. Um pranto que estava escondido na minha garganta há seguramente quinze anos. Minha Senhora, quando o ódio legítimo se mistura à compaixão necessária, as lágrimas coriscam nos olhos de um homem. “Isto é insuportável”, diz ele, “e, no entanto, é inelutável. Isto é um dever. Ai, minha Senhora”!

9 ― O mundo inteiro estava embriagado à meia-noite, comemorando a angústia universal e chorando de saudade do futuro. Foi nessa hora que ouvi uma mocinha de dezessete anos pronunciar a palavra compulsório. “Tão bonita”, pensei eu, “tão jovem, tão animalzinho gracioso e, no entanto, já carrega na alma um peso enorme. Nenhum evento espiritual se manifesta impunemente: ― é necessária certa dose de sofrimento para aprender o que quer dizer compulsório”.

10 ― Trago comigo a minha morte ― na forma como a flecha, ainda no voo, já se turge na maçã.

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