Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 31/12/1969.
Zoé:
— Uma linda moça me disse, na praia: "Te vejo todos os dias. Mas nunca me aproximei por medo de ser mal recebida." Contei isso a Leila Diniz, que explicou: "É assim mesmo. O pessoal está muito irritado. A gente nunca sabe se vai ganhar flores ou estupidez. "
E assim estamos entrando pelo cano, digo, assim ingressamos na formosa década de 70. Parece que, ninguém tendo esperado emplacar esse futuro, sentem-se todos culpados pelo fato de estarem vivos. Bebe-se mal, eis a triste verdade.
Mas não posso reclamar. Ganhei muitos presentes e uma pilha de cartões de Boas-Festas. E, Deus meu, as mulheres lindas se aproximam temerosas... Para a década de 70, Zoé, tenho alguns votos que seguramente serão aplaudidos por nossos contemporâneos. Vamos lá:
— Espero que ninguém assassine Sharon Tate.
— Espero que ninguém assassine John Kennedy;
— Prometam que ninguém vai matar Martin Luther King!
— Vamos passar o carnaval em Biafra?
— Make love... Not war!
— Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim...
Minha cuca está parada na década anterior. Foram os dez anos mais sofridos da minha vida, porque o sofrimento se instalou na imaginação e na inteligência. Pensar o sofrimento dói mais do que experimentá-lo. Minha geração — estou falando claramente: — minha geração já não tem ilusões. Acreditamos num Brasil amargurado, seja qual for a opinião do IBOPE. O otimismo está suspenso.
Mas, Zoé, declaremos a beleza de um amadurecimento conquistado à luz dos acontecimentos. Cada ruga na testa representa uma vitória. Este ofício absurdo, escrever, quando todas as coisas importantes são indizíveis, se transforma por mágica em fonte de redenção, em vitória, em alegria. Adeus, Zoé.