Fonte: Ai de ti, Copacabana!, Editora do Autor, 1960, pp. 18-20.
Eu acordara cansado e triste; saí para a rua, o céu estava cinzento e sujo, e um vento frio me atacou na esquina. Em qualquer outro dia isso não teria importância, mas não deviam ter-me dito que este era o primeiro da primavera. Bonita primavera me oferecem os senhores! Tive vontade de gritar ao povo de Paris; mas fiquei em silêncio, comendo sozinho no fundo de um velho “bistrô”. Não me ofereci um quarto de vinho ordinário sequer; bebi água, como um renegado. Comi mal, paguei, refleti um instante o quão pouco dinheiro dispunha no meu bolso ao cabo de tantos e tantos anos de perambulagem e trabalho; vi-me, sem querer, em um espelho baço, e me achei mais feio e mais velho; descobri uma pequena mancha na gola do paletó; aborreceu-me aquele meu ar de estrangeiro chato com seu cachecol amarrotado.
– “Lá vai um estrangeiro chato com um cachecol amarrotado, um paletó com mancha na gola e uma cara envelhecendo com fios brancos no bigode; por que os estrangeiros usam bigodes? Além do mais, esse o usa sem convicção. Deve ser um italiano do sul, talvez um português ou panamenho; ou certamente é búlgaro, um búlgaro desonesto, eis o que diz a sua cara”.
Assim (penso eu) tagarelou consigo mesma a moça de capote verde que, no ponto de ônibus, dedicou alguns segundos a olhar a minha cara com um ar aborrecido. Tive vontade de lhe dizer: “nem búlgaro nem desonesto, mademoiselle; eu sou de uma família decente de Cachoeiro de Itapemirim, fique sabendo”. Mas ela morrerá um dia sem jamais ter ouvido essa extraordinária declaração, pois entrou no ônibus e se foi, sem olhar para trás.
“Assim são as mulheres, ignorantes e frívolas” — pensei eu, seguindo pela calçada. Dei de ombros; e talvez tenha não só pensado como também dito essas palavras, pois às vezes me apraz falar sozinho pelas ruas.
Pode-se criticar de muitos modos a cidade de Paris, mas acho indiscutível que é uma boa cidade para se falar sozinho na rua, mesmo em português. Falo de vez em quando, e não falo mais porque a minha conversa me fatiga e aborrece um pouco. Prefiro-me escrevendo, imaginem os senhores.
Mas que importa um homem, e o que ele pensa? Nem as nuvens do céu nem as de meu peito impediam que a primavera estivesse na verdade desenvolvendo seus mistérios; ela agia, a Deusa de faces coloridas e pele fresca e pernas longas. Agia. Mas se eu me animar a contar seus feitos, será assunto de outro recado; este já vai longe e feio, e não teria conserto, com certeza. Ah, um trocadilho, estão vendo? Até amanhã, por favor, até amanhã; perdão.