O rapaz, moço, solteiro, rico, estava em seu apartamento de Copacabana, deitado no sofá, ouvindo jazz, quando tocaram a campainha; entrou um cavalheiro de 50 anos, muito bem vestido, que lhe apontou um revólver, logo depois de fechada a porta.

— Este revólver está carregado, mas não tenha medo, que estou com os meus nervos dominados. Porte-se como homem. O senhor é Fulano de Tal?

— Perfeitamente. Qual o problema? Por que esse revólver?

— Vamos com calma. Só quero umas informações. 

— Não tenho nada com esse contrabando por aí.

— Mas talvez tenha muito com outro tipo de pirataria. O senhor conhece a Conceição?

— Conheço várias.

Estou falando da Conceição de Tal, morena, 28 anos, desquitada.

— Conheço ligeiramente.

— Diga a verdade, do contrário posso perder a paciência. Só estou aqui para saber a verdade, o resto não me interessa.

— Conheço. 

— Muito bem. 

— E a mim o senhor conhece? 

— Não, nunca o vi mais gordo nem tão armado.

— Deixe de brincadeira: o senhor me conhece ou não?

— De nome.  

— E de vista? 

— Já o vi umas três vezes.

— Está melhorando. Sabe o senhor que só não me casei até hoje com a Conceição por ter mulher e filhos? Mas que mantenho com ela há mais de dois anos e três meses uma relação muito séria, muito honrada, muito digna? Sabe?

— Não tinha o prazer. 

— Sabe ou não sabe? 

— Sei mais ou menos. 

— Mas pelo menos sabia da minha ligação?...

— Sabia.

— Preste atenção na resposta: o senhor esteve sábado no Sacha’s com a Conceição?

— Estive. Fomos apresentados dois dias antes, e fizemos boa camaradagem.

— O que chama o senhor de boa camaradagem?

— Me simpatizei amigavelmente com ela, e a convidei para jantar.

— Só isto? 

— Só isto.

— O senhor está mentindo. Minta outra vez, e eu sou capaz de perder a calma. Só isto?! O senhor depois não saiu de automóvel com ela?

— Bem, meu amigo, vou lhe dizer tudo.

— É o jeito. Meu problema é com ela; diga tudo, e não se arrependerá.

— Às quatro horas da manhã saímos os dois de automóvel e demos uma volta até o Leblon.

— Beijos? 

— Sim, beijos.

— O senhor tem a certeza de que a Conceição é esta de que lhe falo?

— Certeza absoluta.

— Não há possibilidade duma coincidência? Então, prossiga.

— Depois, fui até o apartamento dela. 

— Na rua tal, número tal, apartamento tal? 

— Exatamente.

— Bem, mas isso não prova nada. O senhor até agora disse que deu um beijo na Conceição. Quero saber tudo. Escuta uma coisa: esse apartamento tem um tapete azul na sala?

— Tem um tapete azul, azul vivo.

— Ah, então deve ser ela mesma. E ela lhe mostrou um aparelho de alta-fidelidade?

— Mostrou. 

— Foi presente meu. Que miserável! E depois?

— Depois... depois... ela me deu um drinque qualquer...

— Vinho do Porto? 

— Isto mesmo: vinho do Porto.

— Tocou na vitrola um disco chamado “This is Sinatra”?

— Tocou... tocou... “This is Sinatra”... 

— E depois?

— Bem, vai me compreender, mas eu acho que não é preciso contar mais nada...

— Pois vai contar tudo direitinho. Até agora o que houve entre o senhor e a Conceição foi um jantar e uns beijinhos. Além do mais, estou muito desconfiado de que se trata duma amiga da Conceição, uma outra Conceição, de São Paulo. O senhor jura que ela não era paulista? Não tinha um certo sotaque?

— Não reparei.

— Por que a Conceição, a minha Conceição, me disse que ia subir para Petrópolis? Ah! Agora eu me lembro dum teste definitivo! Tinha lá um gato? Quando ela sobe, sempre leva o gato?

— Isto mesmo, um gato... Angorá, se não me engano.

— Certo, certíssimo, um gato angorá. Eu tenho ódio a esse gato! Um dia eu ainda mato aquele gato!

— O senhor tem toda a razão: o gato fica pulando em cima da gente a noite toda.

— O pior é que fica miando... Já me arranhou todo... Ah, eu ainda mato aquele gato!... Boa noite, cavalheiro. Eu vou matar aquele gato!...

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