Fonte: João do Rio: crônica. Organização de Gabriela Beting, Carambaia, 2015, pp. 58-59. Publicada, originalmente, na Gazeta de Noticias, de 31/05/1903.

A convalescença é um segundo nascimento. O doente reabre os olhos à luz, começa a interessar-se pela casa e pela rua, quer saber o que há de novo lá fora, ensaia os primeiros passos pelo quarto, chega à janela, sorri ao sol, faz projetos, alimenta sonhos, — renasce, enfim, para o mundo e para a alegria de viver. Mas, enquanto o convalescente sacode jubilosamente corpo e alma, n’esse alvorecer de novas esperanças — o médico e a família, num susto contínuo, vão multiplicando em torno dele os cuidados e aumentando a solicitude, porque sabem quanto são frequentes e terríveis as “recaídas”.

Esta boa cidade do Rio de Janeiro é uma convalescente... A moléstia foi grave e longa: moléstia perigosa, sem grandes crises de febre, e caracterizada por um marasmo podre, por um desses comas profundos que são o vestíbulo da morte. Nessa inconsciência, nesse torpor, nessa caquexia moral, andou a pobre arrastando a vida por um século triste. Em torno dela, as suas irmãs, as outras cidades brasileiras, cresciam, ganhavam forças, prosperavam: e o Brasil via, com mágoa, o desmoralizado entorpecimento da sua filha predileta.... Mas apareceram, afinal, médicos, que compreenderam a moléstia e acharam um remédio.

A enferma está renascendo, numa convalescença franca: todo o seu organismo revive, luta, anima-se, trabalha. Obras do porto, medidas higiênicas, abertura de ruas — trabalho fácil e compensador distribuído aos homens de boa vontade — os sintomas da crise salutar acentuam-se de dia em dia. A boa cidade está salva. Está salva... se não tiver uma “recaída”.

Evitemos a “recaída”! Cerquemos de cuidados solícitos a nossa amada convalescente, e procuremos perpetuar no seu organismo a saúde.

Esta seção da Gazeta vai acompanhar, de passo em passo, o trabalho do renascimento. Um aviso, um conselho, um reparo, uma censura, um elogio — tudo haverá, de quando em quando, nesta curta e sóbria coluna. Os médicos têm bastante competência: mas nunca é demais a solicitude de um filho carinhoso.

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