Fonte: João do Rio: crônica. Organização de Gabriela Beting, São Paulo, Carambaia, 2015, pp. 66-67. Publicada originalmente na Gazeta de Noticias em 12 setembro de 1903.

Isto foi nos remotos e ominosos tempos em que o famoso déspota D. Pedro II oprimia este país com a sua inominável tirania, comendo canja, estudando hebraico e observando a passagem de Vênus pelo disco solar. Um ministro desse déspota teve a ideia de mandar construir um belo, um esplêndido, um suntuoso edifício destinado à Maternidade. Escolheu-se o local, assentaram-se os alicerces, levantaram-se as lindas colunatas, o lindo pórtico, a linda base do suntuoso, esplêndido e belo edifício. Tudo isso foi feito no século passado, notem bem, e não nos últimos anos do século, mas alguns doze ou treze anos antes da sua agonia. E daí por diante não se fez mais nada; e naquela triste e deserta curva do cais da Lapa, ficou até hoje, enegrecido, coberto de ervagens, mas cercado de tapumes podres, o projeto do belo, esplêndido e suntuoso edifício.

Há cerca de quinze anos passava eu por ali, em companhia de um inglês, que me perguntou: — “Que é aquilo”? — E eu, inchando as bochechas, respondi: — “Ah! Aquilo é um belo edifício que estamos construindo para a Maternidade”!

Cinco anos depois, um francês, que andava comigo admirando a cidade, indagou: — “Que é aquilo”? — E eu, impando de orgulho: — “Ah! Aquilo é um esplêndido edifício que estamos fazendo para a Maternidade”!

Passaram-se mais cinco anos; e um chileno, meu amigo, vendo o projeto, inquiriu: — “Que é aquilo”? — E eu, todo babado de vaidade: “Pois não sabe? Aquilo é um suntuoso edifício em que vamos instalar a Maternidade”!

E eis senão quando, hoje, abrindo os jornais, acho esta notícia: “Foi contratada com o Sr. Fulano de tal, por duzentos contos de réis, a conclusão do edifício da praia da Lapa destinado à Maternidade”!

Quase caí fulminado! Ainda haverá por aí quem se atreva a dizer que nós costumamos fazer as cousas devagar?

O que eu peço ao Sr. Fulano de Tal, contratador das obras, é que não se apresse demais: ainda posso perfeitamente viver outros quinze anos, à espera da conclusão daquele belo, esplêndido e suntuoso edifício...

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