Fonte: João do Rio: crônica. Organização de Gabriela Beting, Carambaia, 2015, pp. 152-155. Publicada, originalmente, na coluna "Pall-Mall-Rio" , de O Paiz , de 26 /08/1916. 

Não há dúvida. A maioria da sociedade atravessa agora uma crise nervosa que se pode denominar a nevrose do snobismo. É nas gazetas, é nos salões, é nas ruas: — a moléstia invade tudo. Não há lar por mais modesto, não há sujeito por mais simples que não se sintam presos do mal esquisito de ser snob, e o snobismo é tanto a modéstia do galarim da moda, que uma porção de cidadãos graves já com afinco e solenidade resolve fazer-lhe oposição. O snobismo é como a neurastenia, é pior porque as altitudes e o repouso só conseguem desenvolvê-lo; o snobismo é o mal que se sofre, mas cuja origem se ignora e cuja marcha não se sabe onde vai parar.

Que vem a ser snob em terras cariocas? O snob do Rio é homem que algaravia uma língua marchetada de palavras estrangeiras, fala com grande conhecimento da Europa, da vida elegante da Riviera, das croisières em yachts pelos mares do norte, dos hotéis e da depravação do Cairo e de outras cidades oftálmicas do Egito, aonde é moda ir agora; o snob nacional é o tipo que procura vestir bem e ser amável — é afinal um reflexo interessante e simpático do snob universal, com a qualidade superior de ter pouco dinheiro.

Foi a imprensa que acertou de fazê-lo assim, porque foram os jornalistas que tiveram a ideia de inventar os five o’clocks, de chamar algumas senhoras belas de leading-beauties, de arranjar gentlemen set e de ver tudo up-to-date entre senhoras que, mesmo de vestido de chitinha, usam tea-gowns, servem o samovar e jogam o bridge, fomos nós que, munidos de quatro ou cinco magazines mundanos da América e da Europa, disparamos a fazer a fusão das línguas em nome da elegância.

Esta tensão jornalística logo após a abertura das avenidas e da entrada dos automóveis foi como o rastilho para a explosão da bomba. Hoje os jornalistas são as vítimas dessa nevrose do chic.

A corrente era aliás inevitável. Os pequenos fatos são sempre a origem dos pequenos acontecimentos. O snobismo começou pelos cardápios. Há muitos anos o prato nacional só era permitido em jantares familiares; há dez anos com menus à francesa, os cozinheiros tentam extinguir a velharia incômoda do peru à la brésilienne por um prato d’ave em que haja trufas; as estrangeiras trufas.

Há quem me pergunte se é difícil ser snob. Nada mais fácil, ao contrário. Basta executar simplesmente algumas coisas simples. Assim, o snob que se preza deve:

— Ir a todos os five o’clocks e citar depressa todos os nomes, na ponta da língua, das senhoras que dão recepções.

— Jogar o bridge com as damas, o poker com os homens e falar seriamente dos law-tennis, do polo e do foot-ball.

— Não ter absolutamente senão a opinião do interlocutor. O homem é pelo imposto ouro? Elogia-se o imposto. O homem é contra? Ataca-se! As discussões são animadíssimas neste caso e basta, ao iniciar uma palestra, indagar: que tal acha você tal coisa?

— Ter uma conta grande no alfaiate e na modista.

— Não faltar a uma primeira, mesmo arranjando o bilhete de borla para mostrar o seu tipo bem vestido e correto pelo menos durante um ato.

— Frequentar, pelo menos uma vez por mês, um mau lugar onde haja damas formosas, que nos sorriam depois em sociedade. Dá um certo tom, dá vários tons mesmo: a palestra nos corredores do Municipal aos credores que nos julgam cheios de dinheiros, aos alvares que nos tomam por gozadores blasés.

— Gostar muito da Bohemia e da Tosca, as duas sensacionais operetas do maestro Puccini, e ler o Modo de estar em sociedade, dos autores cotados, mais as leis do Mayrink.

— Falar só das pessoas em evidência, dos gênios com a marca registrada. A admiração, neste caso, pode até ser tresvariada. Exemplo: Oh! A Ema Pola é um assombro. Aquela mulher faz-me compreender o impossível. Ou então: D’Annunzio? Se o conheço? Que estilo! As suas palavras são tão belas que tenho vontade de comê-las!

— Elogiar sempre as mulheres, indistintamente, fazer a corte fatalmente a todas, pasmar diante de cada toilette, de cada bolo da dona da casa, acariciar o totó da mesma, ser um só incenso, ser louvor da cabeça aos pés para com aquela que nos ouve e um tanto irônico para aquela de quem se fala, principalmente quando não há muita simpatia por parte da primeira, o que quase sempre é certo.

Com essas qualidades, que não são de difícil assimilação, todo homem é um snob, um sujeito chic, destinado à simpatia geral

Parece fácil? Pois, apesar disso, os snobs parecem pétards e cada vez é mais raro, segundo Rafael Mayrink, portar-se em sociedade ou chegar a fazer parte dela — o que enfuria todos os palermas negroides e jornalistiqueiros do vasto Rio!

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