Ouça a crônica de João do Rio na voz de Lyza Brasil, professora de português e literaturas do Colégio Pedro II.
Encontrei ontem a consultar o relógio, muito nervoso, o Clodomiro Gomes. Era em plena avenida. Como bom brasileiro tive uma exclamação de infinita surpresa, apesar de vê-lo diariamente. E como bom brasileiro — (ou mau porque compreendo os próprios erros) — caminhei para Clodomiro, de braços abertos, disposto ao abraço fatal e a uma palestra sem motivo algum.
— Que fazes?
— Espero um táxi. Estou cheio de pressa!
— Tu, meu rapaz, riquíssimo, a quem o pai deixou dois mil contos...
— Que tens com isso?
— A quem a madrinha deixou três mil...
— Estás a declamar a minha fortuna ...
— Não, estou a dizer que um homem com dez mil contos, pelo menos, não tem o direito de ter pressa, porque não tem o que fazer!
Clodomiro Gomes olhou para mim com fúria.
— Não me digas isso. Todo o meu mal é não ser como vocês, é não ter que trabalhar a sério para ganhar o meu sustento. Por isso ando cheio de preocupações, sem tempo, sem fé, sem alegria. Sabes lá o que é um homem não ter o que fazer? A minha vida é uma tortura! Positivamente. Sou rico? Desde manhã trabalho para matar o tempo, em coisas que para os outros não passam de distrações. As distrações são penas! Arrastado de festa em festa, figura obrigatória dos salões e dos teatros e dos chás — quero não ir e tenho pena de não ir, porque não saberia o que fazer, se não continuasse a ir. Vivo ressequido, curvado ao peso das diversões. Horror!
— Mas o amor?
— O amor para quem não tem o que fazer é o trabalho de gastar dinheiro com a falsidade.
— Mas os estudos?
— Para o homem que não tem o que fazer é — amadorismo.
— Ora! Sempre tens o gozo, o prazer...
— Trabalhos forçados para quem vive neles...
— Não estejas a brincar!
— Antes brincasse...
— Mas se o não ter o que fazer obriga-te a tanto trabalho, por que não trabalhas efetivamente? És rico. Monta uma empresa, protege a indústria, tem fábricas, compra um engenho de açúcar como o ministro Bezerra ou tem uma empresa de luz elétrica como o Wenceslau Braz.
— Inútil. O trabalho assim só nos serve a nós para perder dinheiro. Já tive uma fábrica. Acordava às 6 da manhã, vestia uma blusa. Todos riam. Uns exploravam-me, a companhia devorava-me. Outros, os operários e os humildes, consideravam-me de miolo mole. Ora o homem! Deu-lhe para divertir-se conosco...
Recuei solene.
— Mas é um drama!
— Uma tragédia. E adeus! Tenho meu tempo todo tomado, até às 7 em que subirei para Petrópolis.
— E em Petrópolis?
— Até pela madrugada, festas, poker, cavalinhos, os trabalhos de quem não tem o que fazer!
— Então?
— Então? — Fez desolado o infeliz Clodomiro Gomes já dentro do automóvel —, guarda esta observação: não há nada mais difícil do que não ter o que fazer.
Sorri, disse-lhe adeus e não acreditei. Porque ter o que fazer também não adianta nada...