Fonte: A volta por cima, Record, 1990, pp. 165-168.
— Quem é aquele cara na mesa ali do canto que não tira o olho de você?
— Qual?
— Não olha não — advertiu ele.
— Como é que eu vou saber sem olhar?
— Pode olhar, mas disfarçado.
Ela olhou disfarçado:
— Nunca vi mais gordo.
— Não é o gordo. É o outro. Está de olho em você desde que nós chegamos, olha só.
A mulher se deslocou um pouco para ver melhor. Ele quase saltou sobre ela:
— Não olha assim que ele percebe.
— Primeiro me manda olhar, depois diz que não olhe. Entenda-se!
— Mulher, não facilita comigo! Eu sabia que a gente ia acabar se dando mal vindo aqui.
— Você veio porque quis.
— Vim só por sua causa. Você tanto insistiu que queria ver o show que acabei vindo.
— A culpada acaba sempre sendo eu.
— Estou só dizendo que aquele bestalhão ali vidrou em você, não sei por quê.
— Pois devia saber. É prova de que eu não sou nenhuma mulher de se jogar fora.
— Olha aí, não começa.
— Se não queria que ninguém me olhasse não devia ter me trazido
— Para com isso, mulher, que você se machuca.
— Meu analista disse que esse seu ciúme quando bebe não passa de insegurança de homem.
— Diz pro seu analista que eu tenho isto aqui pra mostrar a ele minha insegurança de homem. E não vem com essa conversa de neurótica que eu ainda acabo perdendo a esportiva.
— Não estou dizendo? Só porque tem um homem me olhando o machão começa a me ameaçar. Depois eu é que sou a neurótica.
— Ah, é? Pois então deixa comigo — e ele empurrou a cadeira para trás, levantando-se num ímpeto: — Vou dar um catiripapo nesse cara que ele nunca mais olha pra mulher nenhuma.
Partiu para a mesa do outro, guiado pelo olhar ainda vidrado em sua mulher. O homem mal teve tempo de se erguer e já levava pelas fuças o tal catiripapo, que o fez cair de novo sentado, enquanto seu olho saltava longe, rolando pelo chão como uma bola de gude.
Aparvalhado, o agressor aproveitou a confusão que se seguiu para esgueirar-se até sua mesa e tomar a mulher pelo braço:
— Vamos dar o fora daqui que essa vai ser difícil de explicar.
Ela acabou de servir o café e deteve-se em frente a ele:
— Pois fique sabendo que tem outros homens que ainda me acham atraente.
Ele baixou o jornal:
— Que é que você está dizendo?
— Isso mesmo que você ouviu.
— Eu ouvi você dizer que tem outros homens.
— Eu não disse que tenho outros homens. Eu disse que tem outros homens que ainda me acham atraente.
— Quem, por exemplo? O zarolho de ontem?
— Papel ridículo, o seu de ontem. Pensa que é o único homem do mundo.
Ele a olhava, intrigado. Era de esperar que ela tivesse ficado aborrecida com o vexame que ele dera, por causa disso acabou perdendo o show. Mas não a esse ponto — que bicho mordera sua mulher?
— Você está querendo dizer...
— Não estou querendo dizer: estou dizendo. Os homens ainda me olham como você não me olha mais. Homem é o que não falta, fique sabendo.
Ele continuava a olhá-la sem entender. Só podia ser coisa daquele analista, botando caraminholas na cabeça da sua mulher.
Diante do sucesso alcançado, ela ia falando, como quem não quer nada, num tom agora meio romântico, sonhador:
— Queria que você visse como me olham quando eu passo.
— Esta eu pago para ver — desafiou ele.
Levou ao pé da letra o desafio naquele mesmo dia, quando tiveram de sair juntos. Foram seguindo pela rua movimentada e aconteceu o que ele esperava, isto é: nada. Ela não recebia dos homens que passavam nem ao menos um olhar distraído.
— Realmente, você está fazendo o maior sucesso — zombou.
— Que é que você queria? Que me olhassem com você atracado no meu braço?
— Pois então vai sozinha na frente.
Ela concordou e foi caminhando pela rua com o marido atrás de si.
Pasmado, ele pôde verificar que os homens não somente a olhavam ao cruzar com ela, como ainda voltavam a cabeça para apreciá-la por trás.
O que ele não via é que ela, enquanto andava, ia como Judy Garland, mostrando a língua numa careta para todo homem que viesse em sentido contrário.