Fonte: A mulher do vizinho, 6ª ed., Sabiá, 1972, pp. 64-66.

Já não me lembro se foi lido, inventado, escrito por mim mesmo ou contado por alguém. O certo é que ele, ao dobrar uma esquina, esbarrou com um velho amigo, a quem não via desde os tempos de mocidade.

— Mas você! 

— Não me diga. 

— Quanto tempo, senhor!

Antes que dessem por terminada a efusão do encontro, outro amigo daquele tempo saltou de um ônibus exatamente diante deles. Era muita coincidência. Passado o primeiro instante de perplexidade, vieram os abraços, as indagações, a satisfação de riso fácil, as lembranças misturadas de antiga convivência.

— Mas, positivamente, está pedindo uma celebração.

E os três, confraternizados na alegria do encontro, se encaminharam imediatamente para um bar.

Os outros dois trocavam confidências. Ele se deixou ficar meio à margem, renovando frequentemente o copo, e sorrindo à lembrança de outro tempo, que lhe voltava agora, vagamente melancólica. Quis partir, mas instaram com ele que ficasse:

— Espere aí, ainda nem começamos. Temos muito que conversar.

— A noite é uma criança, mal acabada de nascer.

— Hoje é dia de enchermos a alma até o rabo, como antigamente.

— Vamos em frente! Ou você já deixou que a mulher lhe pusesse o cabresto?

Acabou ficando, e entraram pela noite, passando de um a outro bar. Limitou-se a acompanhá-los, bebendo sempre, no início pouco à vontade, como um intruso a invadir território que já não lhe pertencia.

A horas tantas, quando a conversa de fim de noite já se arrastava, pôs-se a dormir, derreado na cadeira. Chegara a hora da retirada e não houve força humana que o fizesse suster-se sobre as pernas. Os outros dois, um pouco melhorzinhos, se entreolharam:

— Vamos ter de levá-lo. 

— Eu por mim ainda tomava mais um.

Carregaram-no aos trambolhões até um táxi e mandaram tocar para a sua casa, de cuja direção ainda se lembravam.

— Até que ele não bebeu tanto assim.

— Você também não está muito bom das pernas.

— A alma vai bem, mas o corpo não ajuda!

— Já fomos melhores, meu velho.

Chegaram. Subiram com dificuldade a escada até a varanda, amparando o amigo, tocaram a campainha. Diante da mulher, a quem provavelmente haviam tirado da cama, esboçaram uma explicação, mas as palavras acudiam difíceis. Ela se limitou a olhá-los, silenciosa. Confiaram-lhe então a sua carga e bateram em retirada, antes que as coisas se complicassem. Ainda tiveram ânimo de tomar um último no botequim da esquina.

Na manhã seguinte, vítima da maior ressaca deste mundo, ele acordou sem saber onde estava. Aquele quarto não lhe era estranho, mas... De súbito, uma voz de mulher, voz que em outro tempo já lhe dissera alguma coisa, sussurrando lá fora, na sala:

— Não faz barulho não, filhinho, que seu pai voltou, está dormindo aí no quarto.

fernando-sabino