Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 27/06/1973.

— Como estás?

— Mais ou menos.

— Alguém lhe faz sofrer?

— Só o sofrimento indizível.

— As mulheres estão te maltratando muito?

— Oh as mulheres... Agora mesmo peguei um caderno que mantive há três ou quatro anos, e lá estava um trecho de Sartre: "Que me interessa ser amado? Se tu me amas, todo o prazer será teu... não quero que ninguém se aproveite de mim." Isso: a entrega e a recusa. Eis como me encontro.

— Muita bebida?

— Esse é outro problema que estou estudando intensamente. No princípio do mês amanheci literalmente morto. Apareceu um amigo, que há séculos eu não via, e lhe pedi que carregasse o meu cadáver para onde bem entendesse. Levou-me à casa dele, onde sua bela mulher me deu um pouco de afeto, coisa de que eu precisava urgentemente. Depois eles me deram uma chuveirada e depois eu dormi. Fiquei então uma semana inteira sem beber, apenas observando. Finalmente aceitei uma dose de uísque, na qual estou até hoje. Há um sofrimento que não se pode pronunciar, e é esse que me m— Quer dizer que as mulheres...

— Oh as mulheres. Penso que a razão de minha angústia atual é estar eu presunçoso. Estou convencido de que sei ler o coração feminino. A compreensão gera a imobilidade: eis aí. O coração humano é como o alfabeto: uma vez que você aprende, nunca mais esquece. É o tempo do Rei Salomão que se achega a mim. Qual a mulher que pode suportar um homem extremadamente honesto? Atualmente elas só me procuram quando desejam fugir de mim... Perdeu-se, no tumulto, um tesouro: a tristeza. Precisamos voltar ao soneto.

— Quer dizer que andas acentuadamente sibilino?

— Justo. Essa palavrinha que eu não usava há exatamente 20 anos... Sibilino! E quando a usava eu não sabia o que era isso. Vou lhe dizer aquilo que me parece superiormente belo o ser humano: a literalidade. Quando declaro: "Estou quieto", nem uma ínfima pluma se movimenta nesta nossa galáxia.

— Daí se origina então a tua famosa presunção?

— Sim. A vaidade está me corrompendo e não tenho armaas para combatê-la.

— Teu caso, então, é de longa reflexão?

— Justamente, é minha doença e é meu remédio. Aquilo que os antigos chamavam "ócio com dignidade." Preciso voltar a ouvir o barulho do silêncio. Enão te esqueças de que, quando digo "eu", estou me referindo a todos nós, ou melhor, a todos vocês...

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