Assim como quem ingressa na carreira militar divide a humanidade em militares e paisanos, assim o adolescente seduzido pela poesia divide os homens em poetas e não-poetas. O adolescente faz a ideia de que todos os poetas do mundo são também adolescentes: puros em sua angústia feita de morte, melancolia e solidão. Só o tempo o leva a entender que muitas vezes a poesia é o melhor do poeta, e que este pode ser ardiloso e mau.
Lembro-me de quando comecei a conhecer os poetas como quem se inicia numa ordem secreta, como quem passa a gozar dum privilégio formidável. Emoção que se compara ao descobrimento do amor, e que traz à devastada alma adolescente doçura, conforto, alívio.
Desse afeto as psicologias não falam. Dessa arrebatada ternura só participam aqueles que no início da existência adulta renunciam a todos os planos práticos e aspiram somente a que o fervor poético não os abandone.
Conta Stephen Spender, em sua autobiografia, com que decepção cruel, quando aluno de Oxford, conheceu alguns poetas mais velhos. Eles lhe falavam das durezas da vida prática e não o animavam a continuar seguindo o caminho da poesia. Quando afirmou a J. S. Squire que escrever poesia era o seu desejo, o escritor lhe respondeu: “Então, você será igual a mim: escreverá poesia até 20 ou 21 anos. Aí, cairá de amor por uma bonita moça e escreverá crítica e jornalismo. Depois será pai duma linda e robusta criança, e escreverá mais crítica e mais jornalismo. Então, quando tiver a minha idade dirá: bem, talvez depois de tudo, eu ter-me casado com a moça e ser pai dessas crianças vale mais do que ter escrito 400 sonetos”. Edmund Blunden recomendou-lhe que de modo nenhum fizesse crítica de livros; Humbert Wolfe o aconselhou a arranjar um bom emprego público; J.B. Priestley achava que não era mau começar com um pouco de poesia, desde que o jovem Stephen quisesse escrever alguma coisa séria mais tarde. Só Walter de la Mare se mostrou simples e simpático, mostrando “a profunda inocência da infância que aceita todos os acontecimentos e se maravilha com eles, e não se escandaliza”.
O primeiro que conheci foi Emílio Moura. O cigarro de palha não combinava com a poesia quase mística. Mas vi logo a solicitude simples e a delicadeza que 20 anos de amizade nunca decepcionaram.
O segundo foi Augusto Frederico Schmidt. Integrando a delegação mineira duma olímpiada universitária, eu estava no Rio, tomando chope na companhia dum colega que jogava futebol e de outro que jogava basquetebol. Telefonei ao poeta, com quem já me comunicava por meio de cartas, e ele anunciou peremptório que viria encontrar-se comigo imediatamente. Afobou-me tamanha delicadeza. Só o menino Proust (como dizia meu amigo Eustáquio) poderia descrever a impressão que me causou a aproximação do poeta, bem nutrido, a descer de seu automóvel fabuloso, metido num reluzentíssimo tropical azul, trazendo à lapela um imenso cravo escarlate. Sobretudo aquele imenso cravo escarlate!