Este negócio de assassinatos perpetrados pelos maridos, por adultério da mulher, dá lugar a muitas reflexões. A estupidez desses matadores é evidente; a sua perversidade não é menos.
Mas os jornais, no dever de forçar a publicidade e provocar a curiosidade, trazem à tona cousas bem interessantes.
Não quero falar bobagens e quinquilharias da vida doméstica de um qualquer casal: não quero falar do caderno da venda nem das reclamações do vizinho; não quero falar do choro das crianças nem das palmadas paternas e maternas. Tudo isto é igual em todas as notícias desses casos tristes em que um bobo ou perverso marido mata a mulher porque adulterou.
No último caso, porém, em que isso se deu, surgiu uma situação onde a bodega de lei dança uma dança macabra com a justiça e a razão. Relembro um pouco um sujeito qualquer que descobre a mulher em flagrante adultério. Tenta matá-la à faca; o amante se interpõe e o marido o mata. Bem. Até aí, nada de novo.
O que de novo aparece é o código civil ou criminal ou lá que for. Qualquer de um desses famosos calhamaços diz que a essa pobre mulher que escapou de ser morta, e, se o não foi, deve-o à generosa coragem do seu amante; a essa pobre mulher o calhamaço dá direito, ao matador manqué, de processá-la e arranjar a sua condenação a um ano de prisão celular.
Ora bolas! O que é mais grave é o adultério ou a tentativa de assassinato? Então o tipo que me mata ou tenta matar-me porque furtei um pão à sua padaria, pode processar-me por crime de furto?
Então eu que atiro e firo o gatuno que me vai furtar as galinhas do quintal, posso processá-lo por crime de furto?
Já se viu uma cousa dessas?
Essa jurisprudência é uma coisa muito engraçada!