Sete damas por mim passaram,
E todas sete me beijaram.

                          Alphonsus de Guimaraens

Aqui outrora retumbaram hinos.
                                         Raimundo Correia

 

Sete quedas por mim passaram. 
E todas sete se esvaíram.
Cessa o estrondo das cachoeiras e
                                                 com ele

a memória dos índios, pulverizada. 
Já não desperta o mínimo arrepio. 
Aos mortos espanhóis, aos mortos
                                         bandeirantes,

Aos apagados fogos
De Ciudad Real de Guaíra vão juntar-se 
Os sete fantasmas das águas
                                             assassinadas

Por mão do homem, dono do planeta. 
Aqui outrora retumbaram vozes
Da natureza imaginosa, fértil 
Em teatrais encenações de sonhos 
Aos homens, ofertadas sem contrato. 
Uma beleza-em-si, fantástico desenho 
Corporizado em cachões e bulcões de 
                                         aéreo contorno 

Mostrava-se, despia-se, doava-se 
Em livre coito à humana vista extasiada. 
Toda a arquitetura toda a engenharia 
De remotos egípcios e assírios
Em vão ousaria criar tal monumento.
E desfaz-se
Por ingrata intervenção de tecnocratas. 
Aqui sete visões, sete esculturas 
De líquido perfil
Dissolvem-se entre cálculos
                                     computadorizados

De um país que vai deixando de ser
                                                     humano

Para tornar-se empresa gélida, mais 
                                                          nada.

Faz-se do movimento uma represa, 
Da agitação faz-se um silêncio 
Empresarial, de hidrelétrico projeto.
Vamos oferecer todo o conforto 
Que luz e força tarifadas geram
À custa de outro bem que não tem preço 
Nem resgate, empobrecendo a vida 
Na feroz ilusão de enriquecê-la. 
Sete boiadas de água, sete touros 
                                                      brancos. 

De bilhões de touros brancos integrados. 
Afundam-se em lagoa, e no vazio 
Que forma alguma ocupara, que resta 
Senão da natureza a dor sem gesto. 
A calada censura
E a maldição que o tempo irá trazendo? 
Vinde povos estranhos, vinde irmãos 
Brasileiros de todos os semblantes.
Vinde ver e guardar
Não mais a obra de arte natural
Hoje cartão-postal a cores, melancólico,
Mas seu espectro ainda rorejante
De irisadas pérolas de espuma e raiva.
Passando, circunvoando,
Entre pontes pênseis destruídas
E o inútil pranto das coisas,
Sem acordar nenhum remorso,
Nenhuma culpa ardente e confessada. 
(“Assumimos a responsabilidade!
Estamos construindo o Brasil grande!”) 
E patati patati patatá...
Sete quedas por nós passaram.
E não soubemos, ah, não soubemos
                                                   amá-las

E todas sete foram mortas,
E todas sete somem no ar. 
Sete fantasmas, sete crimes 
Dos vivos golpeando a vida 
Que nunca mais renascerá. 

carlos-drummond-de-andrade
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