Menino Jesus, nascido sobre uma cama de palha, num estábulo. Era assim que nasciam os pobres há dois mil anos. Quero dizer, os pobres peregrinos, chamados pela lei para a contagem de cabeças, passando longe da sua aldeia, sem lenço nem documento, sem dinheiro no bolso, sem farnel de reserva. Creio que foram os cristãos os primeiros a adorar um Deus tão pobrezinho. E, além de ser um dos mais pobres, apenas um frágil recém-nascido. Tão frágil, em verdade, que precisou do bafo do boi e do burro para se aquecer na noite fria de dezembro. São bem frias as noites de inverno na estrada de Jerusalém; e talvez tiritassem como Ele a Mãe adolescente e o velho pai, tímido e assustado.

Menino Jesus, se Você tivesse que nascer hoje — aqui no Rio de Janeiro, por exemplo — sem tempo para procurar um hospital do governo, perdidos pai e mãe nas ruas desconhecidas, não encontraria estábulo nenhum com o seu boi e o seu burrinho. Estábulos, aqui, só as baias do Jóquei Clube para os lustrosos cavalos dos ricos, os quais cavalos têm melhor pedigree que um arquiduque. Teria que nascer mesmo na calçada, sob uma marquise. Em vez de palha, o seu berço seria de jornais velhos e ao seu lado, na noite quente, estariam dois ou três meninos de rua, pouco mais velhos que você. Mas nada frágeis, ao contrário, curtidos de sol e chuva, de miséria e desabrigo.

E se fosse no Nordeste? Bem, decerto um caminhoneiro compadecido ofereceria uma carona à moça grávida e ao idoso companheiro. E talvez ela desse à luz deitada na própria carroceria do caminhão, ou parada à beira da estrada, sob uma moita de galhos secos (é verão, é dezembro!), no escuro, ao sereno, alumiada, se possível, pela lanterna elétrica do motorista.

Em Belém ainda havia a gruta, a palha, a manjedoura. Neste mundo cão de hoje, não há mais nem sequer esses confortos rústicos. 

Menininho Jesus, eu sei que Você tinha a persegui-lo a sanha do feroz Herodes, mas em compensação recebeu a inocente adoração dos pastores e o ouro e os perfumes que lhe trouxeram os Reis Magos. Aliás, o ouro devia ser simbólico, ouro de alquimista, já que, na sua pobreza, José, o carpinteiro, jamais o utilizou para o conforto da mulher e da Criança. Na fuga para o Egito seu companheiro foi de novo o humilde burrinho, não uma carruagem que o ouro dos Magos poderia comprar. Realmente só há indícios de pobreza, nada do mínimo fausto, em toda a vida de Jesus, do nascimento à morte.

Menino Jesus, estava escrito que Você, Filho de Deus, teria que nascer entre os pobres. Mas torno a lhe garantir que a pobreza do seu tempo era muito melhor que a do nosso.

E crescendo? Não teria Nossa Senhora a lhe ensinar docemente as letras que aprendera com a mãe, Ana. (Ainda hoje as imagens barrocas representam Sant’Ana Mestra, sentada numa cadeira de espaldar alto, e a pequena Maria encostada aos seus joelhos, cartilha na mão). Já hoje, Você seria infalivelmente analfabeto, se se mantivesse fiel às limitações da sua condição humana, penhor da redenção. E só lhe valeria a sabedoria infusa que lhe assegurava a sua intrínseca divindade, tal como se revelou no episódio do Menino Jesus entre os doutores do Templo. Ai, meu Menino, a verdade é que Deus sabe sempre o que faz. E, se escolheu o momento de o enviar ao mundo nessas eras tão antigas é que previa a confusão, a maldade e a loucura das eras futuras, dois milênios adiante. Parece que se acabou o amor, a compaixão. Amor, quando se fala nele, é sexo, é o encontro carnal entre adultos. E compaixão? Que é isso? É palavra que poderia sair do dicionário. Hoje ninguém dá nada de graça. Cada um tem que lutar pelo barraco, pelo prato de comida, pelo emprego, pela esmola, pela sua parte no roubo. Ou “o ganho” como se diz. Para manter vivo o seu Filho Enviado e lhe dar condições de executar a sua missão, o Divino Padre Eterno teria que obrar um milagre todos os dias. Mas assim estaria quebrando as regras do jogo que ele mesmo fez.

Bom Natal, feliz Natal, Menino Jesus.

rachel-de-queiroz
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