Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 4/02/1966.

James Joyce dizia que a história era um pesadelo do qual ele se esforçava por escapar. Eu também experimentei essa necessidade e me concedi estes dias europeus. Agora está chegando a hora de voltar; uma funda melancolia me consome. Contemplo o turbilhão de nadas em que se tem resumido a minha existência e me pergunto: e agora? E agora, José? A festa acabou...

Não me queixo. Poucos homens fizeram, como eu fiz, o exercício experimental da liberdade. Eu sou aquele que se desligou de tudo e que, solitário, mergulhou num turbilhão de nadas; aquele que ofereceu o próprio fracasso em espetáculo; aquele que disse não, não e não ao amor e ao ódio, e que domesticou um coração ambicioso com estas palavras: “Sossega! Ainda é cedo para começar a viver! Estamos tão somente em tempo de errar; erremos, pois”. E nós erramos, o meu coração e eu, e hoje estamos saciados de erros. Hoje estamos crivados de nostalgias e não nos arrependemos.

Agora o meu coração está velho e a minha calvície já é um fato. Vou aderir à vida. Verifiquei que Nietzsche tem razão quando afirma que a sede dos instintos é um lugar conservador. Agora eu vou aderir ao amor, ao casamento, ao trabalho regular, ao... Vou usar gravata como todo mundo, e até um domingo ou outro, pode suceder que me vejam na missa. Como um personagem de Jarry, estou cansado de ser livre. Vinde, pois, ó grilhões, alianças, compromissos! Estou doente: a morte já me amedronta. Companheiros que deixei na estrada, firmes nas vossas crenças, eis que o andarilho se fartou de horizontes... Ao filho pródigo são devidas todas as honras: ao banquete da vida iremos nós, o meu coração e eu, com fome de cotidiano e de ordem. Basta de desregramentos; pobre Rimbaud, que foi morrer tão longe da África! Porque todos os tesouros do mundo estão no quintal de um menino, e todas as viagens conduzem ao ponto de partida. A noção do exílio, que trabalhei com amor e método, é hoje apenas uma estrela no céu das minhas cogitações.

Oração do filho pródigo:

— Lavei a poeira dos meus pés. Matei as fomes que tinha. Tudo que ganhei eram perdas, mas tudo que perdi continua intato à minha espera. Volto pobre, nu, sem orgulho. No alto da última colina sacrifiquei minhas últimas ilusões; estou com fome das velhas aparências e das velhas solenidades. Amém.

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