Compreendo perfeitamente o pintor Raimundo Nogueira. Ele, a mais bem-humorada e a mais cordial de todas as criaturas que conheço, cortou relações há alguns anos com um sujeito. Fez deste o seu único inimigo, negando-lhe cumprimento. E andou certo, a meu ver. O indivíduo em apreço, naquela época ainda em muito boas relações com o Raimundo, era dono duma churrascaria em Ipanema e dum terreno que desejava vender. O pintor se interessou pelo lote e foi vê-lo; no dia seguinte levou a família e, mal chegou ao lugar, ficou indignado e voltou: o proprietário do lote mandara derrubar uma frondosa mangueira que tinha lá. Na churrascaria, houve o seguinte diálogo: 

Raimundo: — E a árvore? E a mangueira? 

Dono: — Mandei cortar.

Raimundo: — Por que, rapaz? Por quê?

Dono: — Acho que os pretendentes podem ver melhor o terreno sem a árvore.

Raimundo: — Ah, é assim, não é? Então, é favor não falar mais comigo.

Foi-se embora; desde então, quando passa defronte da churrascaria, Raimundo vira o rosto. Há entre charuteiro e pintor, uma árvore morta.

Não sei com quem brigar, a quem virar o rosto. Mas cortaram também a amendoeira que existia debaixo da minha janela, no quintal ao lado. Era uma das maiores e das mais bonitas amendoeiras do Rio. Foi abaixo, para ceder lugar a uma garagem. Ora, seu tronco era longo; seria a coisa mais simples do mundo fazer um buraco no teto da garagem para o tronco passar, antes de abrir-se em galhos e folhas no alto. A ideia não ocorreu ao proprietário do edifício que se constrói e que julgou ainda mais simples pôr a árvore no chão. Trata-se duma alma irmã à do charuteiro sem imaginação. Um sujeito que não merece o meu respeito ou a minha confiança. Assim, em meu nome, no do pintor Raimundo Nogueira e de todas as pessoas que gostam de árvores, eu o mando para o diabo que o carregue.

paulo-mendes-campos
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