Em conversa com um contribuinte, o prefeito Marcos Tamoio achou que até pegaria bem chamar de Me dá um dinheiro aí o logradouro onde tem sede o órgão arrecadador de tributos municipais do Rio de Janeiro. O contribuinte ponderou-lhe que isso poderia constituir incentivo a que todo mundo fosse lá pedir uma nota ao Tesouro. “Não senhor, é o contrário, retrucou o prefeito. À vista do exposto, se se consumar a mudança de nome do local, aconselho os amigos a não passarem por perto”.
Voltando a falar no sonho de dar nomes poéticos ou literários às ruas, acrescentarei estes aos já divulgados. Jorge de Lima teria justa homenagem se uma placa de avenida ou de praça lembrasse a Invenção de Orfeu ou a Nega Fulô. Um jardim público que se chamasse das Confidências ou uma rua Cancioneiro do ausente, e eis de novo entre nós a poesia de Ribeiro Couto. Que melhor nome para reverenciar Alberto de Oliveira: rua Alma em flor? No mesmo bairro caberiam a rua Lanterna verde, em honra de Filipe de Oliveira, e a rua Lâmpada velada, como preito a Hermes Fontes, a menos que se reservasse a este último a rua Fonte da mata.
O Rio de Janeiro demonstraria amor aos poetas que nele viveram incluindo em seu guia turístico ruas, avenidas ou praças como Enamorado da vida (Olegário Mariano), Ouvir estrelas (Olavo Bilac), Coração verde (Augusto Meyer), Martim Cererê (Cassiano Ricardo), Romanceiro da Inconfidência (Cecília Meireles). Maneira simpática de celebrar os 70 anos que faria neste abril Augusto Frederico Schmidt: a rua Fonte invisível ou a rua Estrela solitária.
No Rio, na Bahia ou em qualquer cidade brasileira, Espumas flutuantes e Gondoleiro do amor seriam denominações adequadas para o culto nacional a Castro Alves. Idem, Canção do exílio, em louvor a Gonçalves Dias, ou Primaveras, salve Casimiro de Abreu!
Evangelho das selvas (Fagundes Varela), Sinhá Flor (B. Lopes), Cantigas praianas (Vicente de Carvalho), Lira paulistana (Mário de Andrade), Kiriale (Alphonsus de Guimaraens) levariam a sugestão poética, a magia da palavra rítmica, à gente que passa nas calçadas, sob o peso de inquietações e problemas, e que, levantando os olhos à placa, se sentiria um pouco aliviada dessa carga triste.
Por que a cidade de São Paulo não reserva um instante do seu carinho a Sérgio Milliet, dando-lhe uma rua Valsa latejante? Em Rio Branco, no Acre, a rua Acalanto do seringueiro havia de ser lembrança feliz de Mário de Andrade. Em São Luís, o redivivo Sousândrade faria jus a uma praça do Guesa errante. Em arrabalde tranquilo de Porto Alegre, a rua Divina quimera recordaria Eduardo Guimaraens, Dantas Mota estaria presente na rua Anjo de capote, em Belo Horizonte ou Aiuruoca.
Nem só de poesia em verso vive o homem. Vive também de prosa com vibração de poesia ou encanto específico de prosa. Eu gostaria de andar pela rua Mulheres de mantilha, na Tijuca e principalmente na Barra, sentindo no ar a sombra de Joaquim Manuel de Macedo. Quincas Borba e Dom Casmurro, saltando dos romances de Machado de Assis, dariam bons endereços urbanos. Hora veloz, de Adelino Magalhães, ganharia de quaisquer denominações nas avenidas de tráfego furioso do Rio de Janeiro. Dicas excelentes de nomenclatura urbana são os romances de Erico Verissimo: Tempo e o vento", Música ao longe, Solo de clarineta. Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, João Miramar e Estrela de absinto, de Oswald de Andrade, Fruta do mato, de Afrânio Peixoto, A mulher e os espelhos, de João do Rio, Floresta de exemplos, de João Ribeiro: como o catálogo de logradouros seria mais gostoso de manusear, abrindo uma área de fantasia no chato cotidiano!
Quando os loteamentos espalham por inúmeras ruas A, B, C, D, E, etc., que se eternizam, criando problemas de endereçamento e muita confusão, ou são convertidas em ruas Manuel de Tal, sem o menor apelo atrativo à memória, por que não batizá-las com os signos da imaginação criadora, se até o governo apela para essa mesma e esquecida imaginação?