Amigo meu, escritor de sucesso (conceito e faturamento) costuma dizer-me que a literatura já era. Diz e demonstra. Concordo com ele e vou além: tudo já era, menos a sobrevivência das multidões. Não há mais nada de interesse categórico em nosso tempo, a não ser alimentar as multidões ou explorá-las, impedir que elas morram ou matá-las, aliviar seus males ou agravá-los, adular-lhes as pobres esperanças ou aterrorizá-las com ameaças originais.
A unidade humana passou a ser a multidão; o que não entra nesta escala só pode ter um interesse circunstancial, fugaz ou adiável. Na verdade, a literatura ficou mais pobre em 1973 com a morte de um dos mais precisos poetas do século 20: W. H. Auden.
No início da televisão aqui no Rio (presentes no estúdio o escritor Stephen Spender, Cecília Meireles, Antônio Callado, Fernando Sabino e eu), perguntaram ao visitante qual era o poeta inglês mais importante de nosso tempo. O entrevistado respondeu que os mais importantes poetas ingleses eram dois americanos: T. S. Eliot, que nasceu nos Estados Unidos e se naturalizou inglês, e W. H. Auden, que nasceu na Inglaterra e se naturalizou americano.
Auden centrou atenções sobre assuntos que podem parecer estranhos a um poeta. Seu livro de cabeceira era um tratado de mineralogia. Amava a paisagem rochosa e não o campo florido. Conhecia particularmente bem o “clima de opinião” criado pelas teorias de Freud. Importava-se muito com as neuroses e o câncer. Em vez de lírios, preferia contemplar as multidões sofridas dos subúrbios. Seu sonho poético não adejava em torno da musa, mas em torno de uma Cidade Justa. Preferia o viajante ao leitor. Lia filósofos e teólogos, mas afirmava com uma petulância irritante (para os intelectuais encartolados) que o amor é mais importante que a filosofia. Se o amor foi aniquilado, só resta o ódio para ser odiado.
O problema fundamental é a angústia do homem no tempo. Por humilhação, Auden fez-se cristão. E soube — talvez tenha explicado isso melhor do que ninguém — que a poesia não passa de um jogo do conhecimento. Quando o poeta, ao criar, substitui uma palavra por outra, é como alguém que tenta lembrar um número de telefone: “8357. Não, não é este. 8457... Tá na ponta da língua! Um momentinho. 8657, é isto aí”!
Artesão do amplo leque semiótico, criou um estilo audenesco, minudente, dramático e irônico, preferindo as medidas tradicionais do verso inglês e a rima. Um estilo seco e preciso de quem faz um diagnóstico.
Não acreditou na glória, na perfeição, na transcendência de sua poesia, pois sempre somos levados a julgar importante aquilo que sabemos fazer bem. Importante, diz a estrela ou o anjo, é pegar a mão do Terror e descer ao fosso da Tribulação. Importante é saber que a opção do amor está diante de nós até a hora da morte. Com consistência e concisão, W. H. Auden buscou no jogo das palavras uma imagem verbal da divagação espiritual do homem.