Pelo visto, a coisa está ficando cinzenta-negra para os sabiás. Não me refiro aos editores Fernando Sabino e Rubem Braga, os quais vão bem, obrigado, mas aos sabiás propriamente ditos. Outro dia, no Garota de Ipanema, um senhor de aparência respeitável sentou-se, pediu chope com sabiá. O garçom ficou no ar:
— Esse eu não conheço. É algum chope tirado de modo especial?
— É chope comum, com acompanhamento de sabiá salgado.
Como o garçom persistisse em não entender, o cliente teve de declinar sua qualidade. Era paulista, estava habituado a tomar chope e mesmo batida de limão, degustando amáveis postinhas de charque de sabiá — então no Rio não se usa isto?
Como esse Rio é atrasado — sentenciou o consumidor, ao saber que no Rio não se usa isto. No Rio, ouve-se a sonatinha do sabiá na palmeira do velho Braga, que aliás não é palmeira, é arbusto de cobertura de edifício, para matar saudades da mata; canta-se a Sabiá de Tom Jobim e Chico Buarque de Holanda, e sonha-se com sabiás adejando e rouxinolando em imaginários jardins de imaginárias praças. Comer, depois de salgar, não. Por uma razão muito simples, alheia a qualquer prurido de virtude: por aqui não existem sabiás para charquear e comer. Vê lá se carioca deixava passar essa carninha musical!
Pois no litoral paulista — tiro a palavra ao senhor do Garota de Ipanema e passo a ler o que diz O Estado de São Paulo — aí por Iguape e Cananéia, sabiá que cai na rede do caçador vai parar no papo do amador. Um balseiro de Iguape, especializado na caça, informa ao repórter:
— O senhor não sabe o que é bom: em abril e maio, os sabiás estão bem gordinhos, dão um prato delicioso. Pena que sejam tão pequenos.
A caça é feita de manhã e à tarde, à hora da revoada. As redes, de um metro de altura por dois de largura, são montadas entre mangues. Sabiá, mestre no canto, é meio bobo na vida: voa sempre na mesma direção, e torna-se fácil apanhar um despropósito deles. O sabiá preso na rede é retirado, liquidado com um golpe na cabeça ou um apertão debaixo da asa, salgado e vendido. A fieira de sabiá salgado custa de um a dois cruzeiros novos. Com três ou quatro sabiás, o estômago considera-se suficientemente almoçado. E o bom caçador chega a matar 20 dúzias de sabiás por dia…
— Mas é proibido por lei!
Quem não sabe que é proibido? É proibido, rendoso e gostoso. O caçador e a freguesia sabem disso, tanto que, nas cidades do litoral, não é qualquer forasteiro que consegue provar batida com sabiá. Precisa ser da confiança do caçador, salvo nesse ou naquele lugar, onde o charque de sabiá é oferecido na maior calma, sem que a polícia interfira. Teoricamente, o sabiá continua protegido e amado pelo seu bel canto, mas a teoria não impedirá que, tamanho o apetite dos conhecedores, e o mercantilismo dos caçadores, dentro de alguns anos não sobre por lá um sabiá para semente.
Neste justo momento, por milagre da natureza, um sabiá acaba de passar pelo Posto 6, tangido pelo vento noroeste, rumo a não sei que paragem temperada. Será que está ciente do uso gastronômico da espécie? Já não teremos importado de Cananéia uma dessas redes celeradas? Restaurantes da zona sul já não estarão anunciando sabiá à la vinagrette? Passou tão rápido, nem tive tempo de gritar-lhe:
— Olha a rede! Olha a panela, irmãozinho!