A novidade é que as pernas femininas, neste inverno, ficaram um pouquinho-nada mais cobertas. E não foi por causa do frio. Foi providência do professor Aurélio Buarque de Holanda, que acrescentou um “s” à mini-saia. Seu Vocabulário ortográfico brasileiro, agora publicado, ensina que a vera grafia é minissaia. Perdeu o hífen, dobrou a consoante, que sempre é maior do que o tracinho de união.

Talvez na rua ninguém tenha notado. Quem é que nota mais alguma coisa de sutil? Eu notei. As saias pareceram-me não só meio-milímetro mais compridas, como também feitas de tecidos mais sedosos, mais doces ao tato. Tanto pode a força auditiva (e visual) de um “s” dobrado. Uma que vinha pela rua do Leblon, ao entardecer, chegava a ser roçagante, embora estivesse longe de roçar o chão, mas porque, no dizer dos dicionários, fazia o rumor de um vestido de seda roçando o chão — sempre por efeito mágico do “s” que lhe incorporou mestre Aurélio. 

Não direi que esta é a maior utilidade do seu livro. Em tempo babélico, de vozes confusas e contraditórias, é bom a gente ter à mão um guia seguro, que nos informe como anda hoje a ortografia, mais variável que o tempo, de vocábulos como açúcar, sossego, xícara. E que nos salve do perigo de confundir guacho (variação de guache, material de pintura), com guaxo (animal criado com outro leite que não o materno), ou mesmo com gaúcho, quem sabe lá?. Por favor, não baralhem mais sauna, banho de origem finlandesa, e saúna, espécie de tainha mirim: o Voca distingue-os por meio de acento agudo. Quem possuir este volume já não pode queixar-se de que escrever qualquer palavra em português é difícil, senão impossível. É impossível, sim, mas Aurélio dá o serviço.

E que palavras iremos escrever com seu auxílio? São muitas e muitas dizem a mesma coisa, ou refletem matizes especiais da mesma coisa. Como escolhê-las? Para isso mestre Antenor Nascentes publica, revista e aumentada, nova edição de seu Dicionário de sinônimos, que nos oferece as palavras em ramalhete, enlaçadas pela identidade de sentido, ou quase. E meter a mão e escolher, como na loja de artigos de vestuário, tendo em vista peculiaridades de gosto e feitio. Se os adjetivos são gravatas, e os substantivos podem ser assimilados a calças, não há receio de nos arguirem, de homens de uma só calça surrada ou de gravata única e fora de moda.

Na vitrina de Nascentes, quando o Congresso reabrir-se (estão falando nisso por aí), o deputado encontrará várias expressões para um sentimento, mais ou menos vivo ou, se preferir, mais ou menos cauteloso. Médico que aprecia dar nomes diferentes a coisas de todo dia, e às vezes não se lembra de alguma forma inusitada (já esta palavra é o tipo da forma de uso), recorra ao Dic do mestre. Por exemplo: bocejar está um tanto gasto? Use oscitar. Cria o mistério, o respeito: “O senhor oscita frequentemente quando lhe falam em revisão constitucional?” O doente não sabe o que responder e isso facilita o diagnóstico.

E outras serventias. O famoso balaio de xingamentos de Ruy Barbosa mostra seu conteúdo, enriquecido, no verbete “cortesã”: barregã, biraia, fubana, horizontal, hetaíra, michela, quenga, rascoa, traviata, zabancira — e muito mais. Não digo que comecemos a pronunciar a todo momento essas e outras vozes, mas sempre é bom contar com o repertório.

A sinonímia é ancila prestante da comunicação, e o livro deste jovem erudito de 80 anos aí está para mostrar como estamos sempre aprendendo a língua nacional e cada vez sabemos menos: o que nos vale nos apertos é existirem um Nascentes e um Aurélio, que sabem por nós. São mineiros na mina escura das palavras, e a gente fica na superfície, para recolher o que trouxeram de lá.

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