Segunda-feira última, às 15 horas, um ônibus da linha Castelo-Ipanema, este enchedor de papel fez uma descoberta que, se não o conduzirá à fortuna e à glória, pelo menos o manterá pleno de felicidade visual pelo resto da existência. E vem a ser que acabaram sobre face da terra as garotas feias. Só existem, de tempos a esta parte, e creio que até a consumação dos séculos, garotas lindas.

O caso é que entraram no coletivo, um voo de beija-flor, três adolescentes que, pelas linhas do rosto, seriam academicamente feias, mas que — milagre dos tempos novos — eram irrespondivelmente belas.

Obra da natureza? A natureza não é pródiga em metempsicoses; ela trabalha em série, e de vez em quando deixa cair um modelo original, que abafa, mas sua linha de produção obedece a padrões estáveis e, vamos confessar, monótonos. A beleza, para ela, é exceção fulgurante, brinde preparado em conjunções raras e felizes.

Então essa beleza geral que os brotos passaram a ter será fruto de esporte, de alimentação racional, hábitos saudáveis, conceitos eugênicos afinal assimilados? Sem dúvida que novos estilos de viver vêm dando aos brasileiros um aspecto melhor, e até já se diz que a estatura média está quase chegando à dos suecos (tomara que não alcancemos o mesmo grau de tédio). Mas, ao avaliar três feiobonitas, melhor, as três bonitas que antes seriam feias, não me satisfez a explicação eugênica, mais criadora de saúde que de beleza ou sensação de beleza. Senti que a causa era outra, a qual se me revelou em clarão súbito: a causa é a moda.

A moda não deixa mais garota nenhuma ser feia ou sem graça. Pega de cada uma delas e faz uma coisa diferente, festiva, colorida, absurda, nova, e na novidade está a beleza imprevista, que não é de equilíbrio e regularidade, mas de choque. Os longos cabelos ofelianos são mantos de ouro ou cacau, que se movem a todo instante, e dão às meninas ar de rainhas, logo desfeito pelo ar de molecagem que envolve as rainhas. Nas roupas, as cores brigam ou entram em festa? Não brigam; a festa é total. Uma das garotas era feita de rosa-choque e verde-água, outra vinha de azul-noite, roxo e verde-luz, a terceira era um arco-íris, de saia-envelope. E tinham golas antigas e babados imperiais, que mais jovens as faziam, contra a lógica. As meias 3/4 desta. As meias-arrastão daquela. As meias branco-radiantes da terceira. As longas pernas de todas três, pernas que não acabam mais e são castas em qualquer posição. Flores na blusa, ou blusa de flores? Suspensórios para nada, mas suspensórios que elevam as meninas a uma altura invisível. Sapatos de verniz abóbora, abacate, mamão... Pés comestíveis, de sobremesa, sei lá.

Disse que as garotas entraram em beija-flor. Entrar, sentar, ficar de pé são o trivial do corpo. Feitos por essas garotas, são vibrações relampejantes, que tiram todo o peso da matéria. E não ficam imóveis e não saem pela vidraça e não param de rir, de alisar os cabelos, de comentar o colégio. O ônibus, tão chato por definição e destino, torna-se região encantada porque três seres mágicos nele habitam por alguns minutos.

Esta, a minha descoberta: não há mais jovens mal-apanhadas, de cara de tomate, de peixe, de vassoura, de não olhe-para-mim. Há bichinhos impossíveis, lindos de morrer, naturais à custa de artifício muito, combinando indumentárias abolengas a relojões da Mesbla e óculos marcianos, na testa ou na cabeça, nunca nos olhos; seres que resumem as cores da terra e de laboratório, um jeito diverso de ser criança e madureza na sofisticação matizada de arrancos ingênuos... A tecelagem, a costura, os fabricantes de artefatos mil, as revistas plastificadas, a arte industrial, enfim, criou novo tipo, ou novos tipos de beleza jovem, que se encarnam em quaisquer meninas e fazem esquecer cochilos da natureza. Não é mais o bonito-bonito de antigamente. É outra fascinante coisa, não sei me exprimir, mas vocês entendem, ou antes, não é de entender, é de ver, é de sentir, é de agradecer à moda, e que Deus não faça nunca a moda voltar aos rígidos cânones antigos, divisores da mulher em deusa e coisa vulgar — e assim serei, seremos felizes para a eternidade. Amém.

carlos-drummond-de-andrade
x
- +