Era uma lua tão redonda e tão luminosa que as lanternas elétricas ficaram dentro dos cestos. Em fila indiana, pela picada, carrega-se a parafernália até à pedra. A lua imensa, teatral, doura as nossas costas. Aqui circunscreveremos esta noite de nossa vida; entre o mar e o luar, sobre a superfície de uma rocha, não conhecemos mais ninguém, não sofremos o compromisso de um passado, não nos afligimos na ansiedade do futuro. O momento, espaçoso e vivo, é a nossa única verdade.

Preparam-se as caniçadas, espetam-se os camarões, bebe-se um trago para dar combate ao vento frio.

A rampa da pedra se movimenta. Um sobe, outro desce, um se abaixa, outro se estende na rocha e dorme. Quem visse as silhuetas em movimento neste palco enluarado, e não soubesse que gestos fazem, com que sentido, o que pretendem, o que buscam, talvez se convencesse do nosso absurdo. Ou mesmo, se fosse um triste filósofo, de que tudo é um absurdo. No entanto, existe aqui mais ordem e mais finalidade do que nos gestos em que nos consumimos na rua e no trabalho.

O lance do molinete, do limite extremo da rocha, tem a beleza de um apelo. Corporifica-se neste momento a sensação de fuga, inicia-se o diálogo entre o homem determinado e a surpresa do mar. Apaga-se a consciência do supérfluo, o corpo e seus instintos remotos de caça se avivam em uma tensão que espreita, deseja e confia. Não há contas a pagar, não há amor, não há morte. Através de uma linha, o homem, desmemoriado, aguarda uma revelação da natureza, única recompensa de existir e sofrer. Só a natureza, só o milagre físico mitiga as grandes sedes do espírito. Ferrar o peixe, pôr em prova a nossa habilidade contra o seu instinto, retirá-lo de seu mistério, reduzi-lo ao nosso mundo, não é tão diferente de plantar a semente no jardim, regá-la, ver o arbusto crescer e dar flores. Destruímos em um gesto, criamos no outro, é verdade. Mas o importante é a identificação do esforço humano com as energias terrestres. Só esses gestos — como também o do amor — nos dão um sentimento, vago embora, de uma resposta, palpável, corpórea, às insinuações, às promessas, às grandes ânsias da vida espiritual.

Falo demais, o que é inconveniente em pescarias. Mas de que nos vale o texto do mundo se não nos desperta um comentário?

Por alguns momentos, que os pêndulos não medem, dormimos sobre a pedra, enrolados na lona. Para despertar com o frêmito do dia que nasce. Os peixes mortos me olham com seus olhos de conta. Caniço em punho, estou de novo no meu posto, debruçado sobre um mar azul como nos mapas da infância. E nessa atitude, de espera e de combate, permanecerei, com os olhos vermelhos de fadiga, com a minha solidão e a minha confiança na terra, minha ternura e minha fome, até que um anzol irresistível se prenda à minha carne e me retire do jogo.

paulo-mendes-campos
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