A funcionária, bonita, desquitada, desejava saber o que o chefe de sua repartição pensava sobre o divórcio. E este:

— Divórcio deve equivaler à lei de falência. O comerciante, ao estabelecer-se, não está pensando em fracassar no seu negócio, mas a lei prevê a possibilidade de seu fracasso; do mesmo modo, a lei deveria conter cláusulas que remediassem o fracasso de dois jovens que se uniram cheios de esperança. A senhora não entendeu ou fingiu que não entendeu. Pois foi nestes termos o seu comentário:

— O senhor tem toda razão. Mesmo porque há muitos homens que abrem falência antes do tempo.

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Uma revista inglesa pergunta aos leitores se os poetas são realmente necessários. Não, responde a maioria. Uma leitora compara o poeta a um animal doméstico: “Os poetas e os gatos são apenas tolerados pela sociedade; assim mesmo, quando são criaturas pacíficas”.

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Foi no dia do sweepstake. No lotação encontravam-se duas distintas cozinheiras, quando entraram duas senhoras muito bem vestidas e de chapéu. Ouvi uma cozinheira dizer à outra:

— Oba! Essas duas deram sorte.

— Ué, por quê?

— Logo hoje que é dia de corrida elegante faz um dia com um sol tão bonito. Imagina se chovesse! 

— Que bobagem, Teresa. Você não sabe que essas madamas têm sempre duas toaletes: um pra pista seca e a outra pra pista molhada.

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Um amigo meu tomou um bonde no Leblon, sentando-se ao lado dum estafeta. O condutor chegou para este e perguntou:

— Como é, rapaz? Quer ou não quer? Lembre dos torresminhos. E ainda por cima tem uma farofinha de ovo.

O estafeta, indeciso:

— O diabo é que minha mulher está esperando. 

O condutor foi cobrar umas passagens lá na frente, falou um pouco ao motorneiro, voltando com um argumento novo:

— Vou comprar até um vinhozinho. Ou você prefere uma cerveja doendo de gelada?

Nessa altura meu amigo entrou na conversa:

— Francamente, eu já teria aceitado. Sou mineiro: só esses torresminhos já me levavam. 

O condutor, sincero:

— Pois o senhor também está convidado, conterrâneo: é só ir à cidade, voltar, ir à cidade, voltar, ir à cidade, voltar, ir à cidade, voltar, e ir então à cidade. Depois a gente mete um Cascadura e vai pegar a boia...

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Por falar em transporte e alimentação, há no fim do Leblon um boteco onde almoçam os motoristas de lotação. Salta um camões bem acebolado!

Camões, tendo o feijão por lastro, é o prato preferido desses homens temidos, que terminam as refeições e saem dirigindo por aí mais incertos, perigosos e temerários que Vasco da Gama e seus marujos. Teria Camões previsto os lotações? Abro o livro e acho a descrição da carnificina de Ourique:

Cabeças pelo campo vão saltando,
Braços, pernas sem dono e sem sentido, 
E doutros as entranhas palpitando, 
Pálida a cor, o gesto amortecido.

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O rapaz, em tropical distinto, tomou o lotação na Central. Ali pelo Flamengo indagou do motorista se já passara a rua Voluntários da Pátria. Era de São Paulo, vinha frequentemente aqui, mas conhecia mal a cidade. O motorista disse-lhe que avisaria quando chegássemos à rua Voluntários. A meio caminho de Botafogo, o paulista perguntou de novo. “Não, pode ficar sem susto que eu lhe mostro”, tranquilizou-o o motorista.

No entanto, quando o rapaz fez a mesma pergunta pela terceira vez, já estávamos quase no fim da rua Barata Ribeiro. O motorista pôs a mão na cabeça e caiu em pura desolação profissional pelo esquecimento. Perguntou:

— Será que atrapalhei muito a vida do senhor? O moço pensou um pouquinho, sorriu e respondeu em tom misterioso:

— Talvez não. É até provável que tenha sido excelente. Minha sogra mora aqui e faz questão de que eu jante na casa dela sempre que venha ao Rio. Minha sogra é o fim. Pois com a sua ajuda, vou hoje fazer uma coisa que nunca tive a coragem de fazer antes: vou dar o bolo na minha sogra.

E já sorrindo o sorriso feliz da libertação interior:

— Onde existe um bom restaurante por aqui?

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