Fonte: Jornal do Brasil, de 16/07/1973.

Então, amigos, como é que é? Estou embriagado desde trasanteontem. Como é que é? Aprendi e ensinei a vida no dia a dia do jornal; minha existência tem sido escrita; tenho amigos que nunca vi; e, principalmente, estou triste. As meninas são lindas, com seus jeans e seus umbigos. A mãe delas é uma fêmea totalmente encantadora, a nossa mãe e nossa noiva. Detesto as pessoas que não chegaram lá.

A destruição meticulosa do conhecimento. A velha e violenta necessidade de questionar-se. Eu não consigo ser nada daquilo que vocês são: nem abstêmio, nem bêbado chato, nem idiota. Fico andando por aí e as coisas vão acontecendo. Sofro, digamos assim, um pouquinho. Por mais incrível que pareça, eu ainda tenho capacidade de sofrer mais. Estou muito, profundamente curioso, com essa deliberação de me mostrar tal qual sou.

Então, vejam só. Estou com a mão machucada, porque ontem dei um murro no queixo de um amigo meu. Há 20 anos, mais ou menos, prefiro a compreensão à violência; sou muito violento, eu sou uma fera, e me controlo porque não gosto dessas violências.

Agora chegou aí um rapaz que eu conheço e gosto, mas estou escrevendo esta crônica numa loja do Leblon. Não é honesto ser assim como sou, até o fim? Não é bonito o ser? O Carlinhos Oliveira, de porre, escrevendo uma crônica numa loja do Leblon: não é simpático isso? Sempre fui assim, e tenho a impressão de que não vou mudar.

Bom. Então, onde é que estamos? Certo: nós numa loja, embriagados, e eu que sou um escritor – nada mais que isso – um bravo escritor brasileiro enumerando noite e dia as qualidades do homem brasileiro eu, maltratado como Fernando Pessoa, eu que sou um príncipe, eu que não entendo coisa nenhuma, eu que ando por aí enquanto as coisas vão acontecendo, eu que acordo com as menininhas, eu que desejo as menininhas, eu, a espantosa irrupção de uma perplexidade. Estou tão bonitinho, crianças... Estou seriamente espantado.

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