Enquanto não se apresenta na Assembleia Legislativa um benemérito projeto mandando proceder à instalação de ar-condicionado nas ruas, a solução carioca, nesta quadra vulcânica do ano, é ir direto à Floresta da Tijuca. Foi o que fiz domingo passado. O Centro de Estudos da Natureza, órgão do Departamento de Recursos Naturais, órgão da Secretaria de Economia, órgão do governo do estado da Guanabara, ofereceu-me condução. Não pense o leitor que passeei de viatura oficial, queimando gasolina do povo. O veículo usado foi outro: o volumezinho de cento e tantas páginas, editado pelo Centro, contendo tudo e algo mais sobre a Floresta da Tijuca (o título é este mesmo). E o “algo mais” vem a ser precisamente isso: um suposto carro ou helicóptero, que leva a gente até a Floresta do Major Archer, e do dr. Castro Maya, pela sugestão do texto, pela força cativante das imagens: xilos de N. Cavalcanti, reproduções de Ender e Rugendas, estampas coloridas de flores, bichos do solo, aves... Ah, esta saíra-de-sete-cores!

Saíra tem a verde, tem a amarela, não sei se o cruzamento das duas dá bandeira; tem a de cabeça azul, mas a Floresta da Tijuca não relaxa: vem com a de sete-cores: cabeça verde, peito azul, dorso e parte posterior do pescoço negros, barriguinha laranja, uropígio também verde. Contei bem, não deu sete cores, mas as restantes surgem por artes da luz e da hora; é só esperar, pois saíra está sempre pousando lá num galho carregado de fruta, se bem que neste momento ela pouse (e pose) de turista é no meu braço, toda confiante e cheia de si, vendo que vai sair no jornal, a vaidosa e psicodélica.

Esta outra saíra aqui chama-se militar, talvez por precaução, ou para impor respeito aos tangarás, que são muito de dançar na mata da Tijuca. E porque vou à Floresta em busca de repouso que até certos nomes de lá ajudam a criar (Bom Retiro, Meu Recanto, Açude da Solidão), tapo os ouvidos diante dessa araponga, que repete os ruídos massacrantes da cidade. O azulão que estou admirando nestas alturas não é o de Jaime Ovalle, portador de recados saudosos, mas a grande borboleta azul e negra, e a mim me parece uma rainha do Oriente encantada por um bruxo que tudo ousou para possuí-la; naturalmente ele foi queimado à noite, e de vingança não desfez o encantamento; então o ser misterioso e nobre, inquieto, pervagante, lá vai à procura de si mesmo…

Ora, deixa-te de má poesia em prosa de papel. Nosso amigo tapiti dá um ar de sua graça à beira desta moita, e some. Caxinguelê, por sua vez, dá show de enterrar coquinho para garantir o sustento, enquanto dr. Delfim e dr. Beltrão não põem ordem nisso por aí. Coitado, vai ter um trabalho! E guaxinim? E cachorro-do-mato? E gato-maracajá mirim, oncinha das boas, rara espécie que a Floresta esconde?

Dá um prazer de terra fechar os olhos na paisagem de asfalto fervendo e pensar que todos esses animais, árvores, sombras, águas, cores, zumbidos, perfumes estão ali adiante, ao alcance de nosso corpo, de nossa preguiça... Porque só a preguiça nos impede de gozar a festa da natureza que o livrinho resume. Preguiça e falta de informação. Falta de literatura, também. Intimo nossos ficcionistas a usarem a Floresta da Tijuca para cenário de um romance em que tudo seja mágico, rebrilhe em plumagens e cantos de flor e de pássaro, falando de um Rio em semente sob o Rio em caos. Que a Floresta merece, ora se.

carlos-drummond-de-andrade
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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