6 mar 1968

A nova roupa velha, esse problema

Periódico
Correio da Manhã

Publicada em A intensa palavra: crônicas inéditas do Correio da Manhã, 1954-1969. Rio de Janeiro, Record, 2024, pp. 331-332.

 

Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond

www.carlosdrummond.com.br 

www.leiadrummond.com.br

Eu estava longe de imaginar que minha tomada de posição a favor do colarinho duro de ponta virada despertasse tantas reações. O telefone não parou de tocar; fui interpelado na rua por desconhecidos; e o carteiro entregou-me mais de dez cartas relativas ao colarinho. Não direi que meus leitores são fúteis por tratarem de semelhante assunto. Fútil fui eu ao apresentá-lo nesta coluna, segundo me disseram ou escreveram diversas pessoas. Em compensação, outras me apoiaram, e outras ainda se valeram da oportunidade para sugerir novas campanhas pela restauração de outras peças abolidas do vestuário. Temos de convir que roupa é coisa séria, e que, mais do que nunca, o brasileiro se preocupa em como vestir-se e o que vestir. De modo geral, o colarinho duro de ponta virada foi aprovado, e não só pelos homens.

Cecília V. pede-me detalhes sobre o colarinho, que lhe pareceu muito romântico; posso desenhar um, para que ela faça o namorado encomendar essa peça genial? Tão simples, Cecília. Vá à Biblioteca Nacional (enquanto ela não desaba) e peça as revistas de 1915.

“O senhor está descumprindo a nobre missão de cronista”, escreve Castro Alves Dias. “Isso não é coisa que se faça. Não será voltando às fofices do passado que o brasileiro vencerá o subdesenvolvimento e as pressões do imperialismo. Não recomende colarinho. Recomende uma atitude crítica face à situação nacional”.

“Receba minhas felicitações pela excelente iniciativa de reabilitar um elemento digno e vistoso da indumentária masculina. Ele dará mais compostura ao homem da rua e ao de salão, acabando com o aspecto gaiato que hoje caracteriza o nosso sexo. Esses velhos de camisa vermelha, bermudas e sandália, então, faça-me o favor”! (Carta de S. P. Luna, de Niterói.)

“Afinal, que pretende V.Sª. com essa moda absurda? Simples nostalgia de vieux monsieur ou gozação em cima dos papalvos, que topam qualquer novidade mesmo quando ela é mais velha do que o Pão de Açúcar? Fico sem saber se há sutileza ou falta de assunto em sua crônica” – declara Hermes Feitosa, professor do Ginásio Fé e Esperança.

“O senhor esqueceu-se de pleitear a volta simultânea dos punhos engomados, pois, sem punhos engomados, como é possível usar o colarinhos duro de ponta virada? – telefonou-me Adolfo Soromenha, aposentado do Ministério da Justiça. Conservo o par que usei no meu casamento em 1928, como aliás conservo igualmente a camisa de peito duro e o colarinho, tudo comprado no Parc Royal de saudosa memória. E tudo em perfeito estado de conservação. Posso emprestar o conjunto para ser exposto numa vitrina de Copacabana, caso o senhor queira levar avante o movimento. O traje correto faz o cidadão completo, não é mesmo?”

Na opinião de V.Sª., o suspensório é outra utilidade que está fazendo falta, bem como a liga de meia, para resguardo das pernas cabeludas ou com marcas de micose; também inculca o uso de ceroulas no inverno, enquanto Petrônio Saad, evidentemente pseudônimo, reclama a urgente reimplantação das botinas de abotoar, aquelas de cano de camurça, do tempo de Bilac. Outro, na rua, quer de volta o chapéu-coco, não porém a abominável palheta. Por último, Vandeca, de Ipanema, acusa-me de plagiar a Tropicália, na vã tentativa de criar um movimento diversionista à base de austeridade vitoriana, que absolutamente não foi minha intenção, juro.

carlos-drummond-de-andrade
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
x
- +