Se fosse no botequim do Lili, a palavra sommelier já tinha encontrado tradução. Ou se adaptava ao coloquial. Como impeachment. Virou impedimento, entre os mais finos. Ou é “impiche”. Mais fácil de pronunciar, lembra piche, pichação. Negro e pegajoso, o piche vem a calhar. Tem a cor do luto. Mas sommelier, diz o dr. Memphis, não tem tradução. Regada a espirituosos no restaurante, uma discussão assim não leva a nada.

Tradução tem, sim. Em bom português, é escanção. Etimologicamente, vem do frâncico, para uns; para outros, do gótico. Por aí se vê como é antiga a arte de beber. Até a palavra já estava na boca dos francos e dos godos. Era skankja. Pátria por excelência do vinho, o francês universalizou o sommelier. Entende de vinho e o serve. Ainda agora, a palavra apareceu no 7º Concurso Mundial de Sommeliers, realizado no Rio.

Se fosse em Lisboa, escanção na certa viria à baila. No seu Dicionário Contrastivo Luso-Brasileiro, Mauro Villar diz que escanção não tem qualquer curso no Brasil. Acha um absurdo que aqui só se utilize o francês sommelier. Brasileiro, Villar viveu nove anos em Lisboa. Terá ouvido com frequência escanção. Já aqui a palavra é desconhecida nos restaurantes. E do dr. Memphis, que se crê um intraduzível connaisseur.

Nem por isto se dirá que não exista. Não só existe, como está no Vinicius de Moraes. Em Poemas, sonetos e baladas. Lá está na “Balada de Pedro Nava”, devidamente ilustrada por Carlos Leão. Popular ao seu tempo, hoje parecerá o seu tanto hermética aos não iniciados em Vinicius e Nava. Até mesmo na quinta estrofe, quando o poeta exclama ao garçom: “Escanção! Uma pedra a Pedro Nava”!

A balada tem três partes. Na segunda, uma moça diz à lua que é jovem e formosa. E continua: “Minhas maminhas ― a moça / À lua mostrava as luas ― / têm a brancura da louça”. Desse tempo, pouco antes, é a “Balada do Mangue”, que a censura proibiu. Ontem, a bailarina Caroline estava na primeira página da Folha, com o seu topless de protesto, em Brasília. Cai fora, Fernandinho ― escreveu ela não na balada, mas entre suas duas luas novas, bem à mostra. A propósito, como é topless em português?

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