Periódico
Folha de S.Paulo

Publicada no livro Bom dia para nascer, Companhia da Letras, 2011.

A birita está proibida, mas o voto é livre. Quem não suporta a sede e tem de matar o bicho, pode dar um pulo a Niterói. Lá não tem segundo turno. Tulipa ou pinga, é só pedir. E tem também, claro, a solução carioca. Ou brasileira, sejamos sinceros. Isto é, dá-se um jeito. Já existe know-how, acompanhado de um código. O freguês pisca o olho. Ou nem isto. Estica aquele olhar pidão e se faz entender. O garçom disfarça e serve logo.

Só que troca de copo. Ou troca o nome. Cerveja hoje se chama guaraná, por aí. Bar sem bebida alcoólica pode escancarar as portas, que não perde o ar fúnebre. A cara fechada, sobrecenho, está de luto. Pois há quem goste, me jura no Baixo Leblon um eleitor fanático. Fanático pelo copo, que elegeu há anos como seu companheiro inseparável. Lei seca, diz ele, é pra ser molhada. E por 24 horas, é uma alegria só. O prazer da transgressão também inebria.

Não julguem mal o meu interlocutor. Bebe e vota. Copo competente e voto consciente. Como eu, morre de admiração por quem deseja ser eleito. E ainda luta, compete, gasta dinheiro e energia. Uns heróis. E assim entramos pelo mistério da vocação política. O espírito público. Existe, sim. Vem de mistura com sentimentos e ambições menos nobres, mas é evidente que existe. A honra de servir. Verdadeira cachaça, disse eu. E logo me dei conta da gafe. Estava no ar o hálito inconfundível.

Gafe coisa nenhuma. É isso mesmo, me disse ele. Andam até juntos, com muita frequência. O espírito público e a pinga. Dê-lhe o nome que quiser. Uísque. Vodca. Poire. Chope. Vinho? Também. Pode acrescentar champanhe. O espírito público é inseparável dos espirituosos. Pra não falar de gente de casa, lembre-se do Churchill. Só uma boa piela o arrancava da cava depressão. Napoleão no fogo da batalha entornava um conhaque. Waterloo foi uma carraspana. Associados pra sempre, na mesma garrafa.

Daí, meu amigo me contou o teste a que submete a cozinheira da sua casa. Quem contrata é a patroa. Feita a escolha, ele chama a candidata à fala. Ou ao canto. Manda cantar Cidade Maravilhosa. E um samba do Noel. Se desafinar, rua. Toda empregada canta. Não tem essa. Voz de taquara rachada, esgoelando no seu ouvido, ah, isto não. Está convencido de que a prova devia ser estendida aos candidatos. O Rio reclama ouvido absoluto, não acha? Fica a ideia para a próxima eleição.

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