Tremendo charivari na rua Uruguaiana. O pau comeu solto e a polícia custou a segurar as pontas. Foi apenas uma amostra da bagunça muito pior que pode acontecer a qualquer momento. Outro dia dei uma volta pela cidade em companhia do Carlos Castello Branco. Fiquei abismado. Somos do tempo em que ninguém podia deixar de ir à cidade. Até hoje aprecio aquelas ruas do centro, que conservam um encanto denso de passado ― Ouvidor, Gonçalves Dias, a própria Avenida. Até a Cinelândia!

O Castello asilou-se em Brasília desde 1961 e me pareceu menos abismado do que eu com o espetáculo. É difícil andar no meio daquele chavascal. A cada passo eu mais boquiaberto com o que via. Na rua da Candelária, comecei a contar o número de bugigangas expostas. Perdi logo a conta. Tem de tudo. A gritaria acentua o pandemônio. O sujeito tem que resistir ao assédio que lhe fazem de todos os lados. Ali ninguém compra de livre e espontânea vontade. Vendem-lhe.

Fiquei tão fascinado pelo espetáculo que prolonguei o passeio até a rua Uruguaiana. Isto vai explodir a qualquer hora, disse cá comigo. Arrastado por mim, o Castello se espantava com o meu espanto. Bombaim e Calcutá não explodiram, disse ele. Voltamos para a Zona Sul conversando sobre a deterioração do Rio. Quem como nós conheceu o Rio dos anos 40 e 50 sente uma pontada no peito e uma dor fininha no coração.

Mas a miséria tem ou não capacidade de explodir? O Castello foi à Índia em 1956, quando lá morreu de repente o nosso amigo Santa Rosa. Hoje o Rio lhe lembra Bombaim e Calcutá, cidades superpovoadas com milhares, ou sei lá, milhões de pessoas que moram na rua. Nascem na rua, vivem na rua, morrem na rua. A civilização hindu consegue conviver com essa tragédia que, de tão fantástica, se torna mesquinha a ponto de passar despercebida.

Se você quer ter ideia do que era o camelô de antigamente, leia o poema de Manuel Bandeira. Está em Libertinagem, quando camelô se escrevia à francesa ― camelot. Começa assim: “Abençoado seja o camelô dos brinquedos de tostão”. Apregoava bugigangas e quinquilharias e dava aos homens, diz o poeta, uma lição de infância. Ensinava no tumulto das ruas os mitos heroicos da meninice (sic). Hoje o Brasil está virando um camelódromo só, com uma lição que dá medo, Deus me livre!

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