— Você por aqui? A amiga arregalou os olhos quando me viu. Até parece que tinha encontrado o velho vigário de sua paróquia numa gafieira. Mas eu sustento que não basta frequentar o botequim do Lili pra saber o que o povo está pensando. Como está vivendo. E o que está dizendo. Porque no botequim é que está a boca do povo. E no supermercado, claro, pulsa a angústia da classe média.

Não faz muito tempo, eu tinha estado ali mesmo por precisão. Era logo depois das festas e no espaço imenso não cabia nem mais um mosquitinho, desses intrometidos a serviço da dengue. Perdido na multidão de baratas tontas, fiquei sabendo que era dia de promoção. Já que falei em mosquito e barata, a nossa colmeia humana não tem o senso da ordem das abelhas. Daí aquela zorra de carrinhos e crianças.

Agora ali estou eu de novo, diante das prateleiras sem saber por onde começar. Começo pelo espetáculo à minha volta. Tem de tudo, a fauna humana. Senhores barrigudinhos sendo levados pelas respectivas, num ritmo de quem não tem pressa. Estão adorando, os masoquistas. Damas de todas as idades e matizes, de short, calça comprida, sapatão e sandália. O primeiro e o último soutien. Mães com os pimpolhos no rabo da saia (ou dos jeans).

E as filas — ah, santo Deus, todas essas filas são a única fila, a fila definitiva que nos aponta o caminho do céu. É para lá que estamos indo, sofredores, com esta vidinha pedestre de brasileiro meão. A vida concreta, nada de abstração. Uma hora e eu estava mais cansado do que se tivesse disputado a São Silvestre. Com um carrinho de permeio, nos reencontramos na saída, a amiga e eu. A caixa enguiçou, sempre enguiça, e engatamos um papo do tipo cerca-lourenço. A vida, a carestia, êta Brasil!

O Collor é que devia estar aqui, bonitinho, disse uma. O Marcílio, disse a velha sádica. Um tom acima e era um comício. 105 mil e quebrados: a amiga me mostrou a nota. A cesta básica, disse eu. E aumenta toda semana, ela rugiu. Entre a amiga e eu, a mãezona e seus dois filhotes. Pobre, via-se, mas pesada. Uma senhora trouxa. Ao menos bem nutrida, pensei, aliviado. Compra mixuruca. Dinheirinho na mão, ia vendo o que dava pra levar. Sobrou a carne de segunda. Quem sabe a gente paga? Tá doido?, a amiga arregala de novo os olhos. Chega em casa e o homem dela lhe quebra os ossos. Carne de presente, onde já se viu?

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