Só porque a gente escreve no jornal, há quem suponha que se tenha condição de dar palpite em assunto pessoal e até correr o risco de oferecer conselho. Conselho só se dá a quem pede, é verdade. E quase sempre em pura perda. A experiência de cada um é pessoal e intransferível. Se há uma coisa que invejo é o sujeito que diz que não se arrepende de nada. E que até faria tudo da mesma forma. Isto é hoje um lugar-comum. Todo mundo repete, feito papagaio.
Se fosse uma carta, dava para sair pela tangente. Você não meter a colher de pau na vida alheia já é um sinal de respeito pelo outro. “No personal questions” — os ingleses são uns sábios. Conversa, só sobre o tempo, o tempo meteorológico (“'weather”), não o outro, o do calendário, que é metafísico e sentimental. Um perigo. Mas o rapaz dá de cara comigo e se ilumina com aquele ar de confiança, preparado para ouvir uma palavra salvadora.
Convém ouvir primeiro. E o que ouço não é uma história fantástica, mas um enredozinho pessoal que está multiplicado por aí às centenas, ou aos milhares. Quem sabe até aos milhões. Este jovem tem 22 anos. Dois patinhos na lagoa, digo eu e logo recolho o tom trivial. Está se vendo que não é bobo. Percorre um caminho em que há estudo, esforço, iniciativa. Trabalha desde os 15 anos, um pouco porque assim o quis. Aliás, trabalhava, porque acaba de ser despedido.
Nenhuma dúvida de que pode no mínimo dividir a culpa, se há culpa, com a chamada conjuntura. No momento de ser mandado embora, o diretor de recursos humanos fez questão de lhe dizer até breve. Se amanhã as coisas melhorarem, pode voltar, que será aceito de braços abertos. Desgraça pouca é bobagem. Imagine só: o carro de segunda mão, comprado com sacrifício, foi roubado. O primeiro da sua vida.
Curioso como essa garotada se liga ao carro. Se tivesse perdido um braço, Deus que me perdoe, não estaria mais desolado. Entre outras peripécias do gênero, portas fechadas de todo lado, o rapaz me pergunta se o Brasil tem jeito. Se tem, pra quando é. Bom, como não sou vidente, passemos à outra questão. Cá está: vale a pena tentar de qualquer forma a vida lá fora? Deixar de ser brasileiro, já que o Brasil não tem lugar para um cara direito, 22 anos, habilitado. Tem, sim, digo eu. Mas tenho vontade é de lhe dizer: vá perguntar ao Collor.