A cena se passa numa capital nordestina. Os personagens são três: o marido, juiz de direito, cidadão probo e bom pai de família; a mulher, simples, devotada aos filhos e deveres; o tio da mulher, amigo e conselheiro do casal, alma franca e bem vivida.
Conto depressa o drama que feriu esse lar tranquilo: deu-se que, num momento de loucura ou de fraqueza, o honrado juiz, às cinco horas da manhã, no barraco do quintal, foi apanhado em flagrante, pela própria esposa, em delito de colóquio de amor com a cozinheira da casa. Que miséria, que escândalo, que vergonha! A doce e honesta senhora foi tomada, no local do crime, de uma crise nervosa, com o inconveniente de despertar os vizinhos; e esses espalharam por toda a cidade o crime nefando. Muito divertido quando acontece com outros.
A mulher, na companhia das crianças, foi morar com seus pais; o marido encerrou-se em casa, só abrindo a porta no terceiro dia, para o tio de que falamos. Este, calmo como sempre; o outro, roendo as unhas do remorso, barba por fazer, no mais perigoso estado de desestima por si mesmo.
– Tenho nojo de mim, disse, e preciso lavar o meu erro.
– Lavar como, perguntou o tio.
– Com o meu próprio sangue, foi a patética resposta.
– Você ficou zureta, rapaz?
– É a única solução: vou matar-me.
– Bonito papel, retruca-lhe o tio. Depois de fazer a sua traquinagem, você quer retirar-se para o outro mundo, deixando neste uma pobre viúva, sem recursos, com três filhos. Francamente!
– Não vejo outra saída.
– Mas eu vejo.
– Qual?
– O desquite.
– O desquite?!
Sim, argumentou o homem realista, só o desquite era uma solução digna e satisfatória. E, desenvolvendo essa tese, acabou conseguindo o consentimento do pobre marido. Em vez do revólver, o desquite.
No dia seguinte, outra visita desse professor de ceticismo e diplomacia.
– Estive pensando melhor. Quer saber de uma? O desquite não é uma boa solução no seu caso.
– Então, eu me mato.
– Vamos com calma. O melhor é você mudar-se com a mulher e os meninos para uma cidadezinha de Minas ou de São Paulo. Talvez eu lhe arranje um lugar de promotor.
– Mas ela não aceitará. E eu viveria humilhado.
– Deixa, que dou um jeito. Quanto à humilhação, isso passa com o tempo.
No dia seguinte, volta o tio para dizer ao infeliz:
– Você é mesmo um sujeito de sorte. A santa concordou. Escrevo hoje mesmo a um amigo sobre a promotoria.
Mais uma semana, e o tio volta a trazer-lhe novidades:
– O lugar de promotor está difícil. Além do mais, não creio que você vá se dar bem no Sul. Já pensou nisso?
– Mas não tenho por onde escolher. Viver aqui é que eu não posso. Sou um homem desmoralizado.
– Tolice, meu velho. Nossa capital não é tão pequena assim. Acho, no fundo, que vocês deveriam mudar de bairro e botar uma pedra em cima de tudo.
– Nunca.
O tio não desistiu da ideia, ele mesmo ajudaria a escolher uma casinha distante, coisa que foi feita uns cinco dias depois. Mas a nova residência, além de muito mais cara, não se comparava à primeira, precisando de reparos, sem quintal e sem jardim. O tio se apegou às razões materiais para raciocinar:
– Vocês querem mudar de casa, não é?
– Eu não, a ideia foi sua.
– Pois é, mas não dá certo.
– Então, vou para o Sul.
– Bobagem.
– Então, me mudo para a outra casa.
– E quem vai sofrer com esse capricho? Sua mulher e, sobretudo, as crianças. Essas é que vão se privar de quintal por sua causa. No seu lugar, agiria diferente. Sabe como são essas coisas: no princípio, parece que o mundo vem abaixo, mas depois passa. Mudar de casa com uma crise dessas! Onde já se viu!
O marido exclama, quase num soluço:
– Mas eu preciso fazer alguma coisa!
– Concordo plenamente com você.
– Mas fazer o quê?!
– Tenho uma ideia.
– Pode dizer.
– Pinte a casa em que está morando. Mande fazer uma limpeza em regra.
– Mas…
A casa foi pintada de novo, a mulher voltou com os filhos, e aos domingos o tio costumava aparecer para o ajantarado.