Publicada no livro Homenzinho na ventania, de 1962, com o título "Um saco de confetes", e em Cisne de feltro, de 2001, com o título original.
Era num arraial de Minas nos tempos do café, e lá em casa havia um assustado carnavalesco nas primeiras horas da tarde de domingo. Eu tinha três ou quatro anos, um bigode preto e um saco de confete na mão. A sala rodava cheia de gente que se duelava a confete; éter não havia. Foi quando uma senhora, beijando-me, veio pedir-me emprestado o meu saco de confete, a fim de continuar o seu combate, prometendo-me pagamento dobrado. Não dei, não queria dar, não acreditava que ela me pagasse. Com a mão direita ela arrebatou-me os confetes, enquanto a sua esquerda me acariciava na face. Tive vontade de chorar, mas não chorei, fiquei zanzando pela sala, de mãos vazias, miserável. Ela foi encontrar-se com o seu parceiro daquele torneio de papel, encheu a mão uma, duas, três, quatro vezes, só quatro vezes, e o conteúdo de toda a minha ração carnavalesca se espargiu sobre a cabeça do homem, o seu rosto, a sua roupa, depositando-se o resto, lentamente, sobre o chão de largas tábuas enceradas. Pensei humildemente em apanhar um saco de papel vazio, enchê-lo com as rodelinhas de confete espalhadas pelo assoalho, cheguei a fazer algumas excursões ao bosque de pernas que se movimentavam bruscamente pela sala. Tive medo. "Sai daí, meu bem, você acaba se machucando".
Saí. Fui encostar-me à parede, olhando desconsolado os adultos subitamente selvagens na sua alegria, homens querendo acertar punhados de confete nas bocas das senhoras, e vice-versa, todo mundo rindo como eu nunca vira rir. Uma imagem absolutamente nova apresentava-se ao meu instinto de conhecimento: entre homem e mulher havia um mistério, uma guerra, uma excitação áspera e cheia de riscos, um desejo de machucar, de rir, de correr, de sofrer, de voltar.
Não despregava os olhos da senhora que me levara o saco de confete, na esperança subnutrida de que se lembrasse de mim. Aproximava-me, deixava que ela se esbarrasse em mim. "Sai daí, meu bem". Ela se esquecera.
Quem sabe, se eu fosse contar para minha mãe? Não, era inútil. Eu recebera com tanta alegria o saco de confete que o valorizava a um ponto exagerado. Se confete era uma coisa que as pessoas grandes tomavam das pessoas pequenas, ninguém, nem minha mãe, iria me dar outro.
Fiquei fechado nas minhas sete chaves, impotente, sofrendo, e fui dar uma volta no quintal, subir a uma árvore, comi um pêssego verde, corri atrás de um gato, lavei meus bigodes na bica. Usei por fim do último recurso que me restava para esquecer, o jogo dos meus momentos de vingança. O quintal era em forte declive, terminando por uma cerca precária de arame, que se limitava com a rua empoeirada; do outro lado, ficava a calçada estreita, a meio metro da rua, e uma casa de telhado triangular, duas janelas ao lado de uma porta no meio. Na soleira da porta era depositada todas as manhãs (retirada ao cair da noite) uma velha paralítica, embrulhada em remendos. Nos meus momentos de ira contra o mundo, vingava-me na velha, rolando na sua direção grandes pedras. Por causa da diferença de nível entre a calçada e a rua, o projétil jamais a poderia atingir. Quando os meus cálculos balísticos eram bem feitos, a pedra tomava o caminho certo, ganhava uma zona de musgos, ricocheteava pelo chão à medida que adquiria momentum, passava pelo primeiro ou segundo vão da cerca, saracoteava como um cabrito bravo pela rua em pó, ia retumbar com alguns estilhaços de encontro à calçada oposta, bem debaixo da paralítica.
Não me lembro se ela fazia uma expressão de medo, talvez a distância não me deixasse perceber qualquer expressão de sua cara escura, envolta em um pedaço de pano. Talvez ela fosse de pedra. Mas eu achava que a velha devia sentir medo da pedra, como eu sentia medo de sua figura, quando a recordava dentro da noite. Ao mesmo tempo, eu experimentava também o orgulho de ter acertado com precisão. Cet âge est sans pitié (creio que é de La Fontaine).
Daquela vez foi inútil. Acertei bem no alvo, mas a velha não funcionou, não me arrancou da alma o germe da morte, a dificuldade de ser, a dificuldade de ser um menino a quem tomaram o saco de confete.
Voltei para a sala; a senhora continuava a girar; os olhos mendigos que lhe deitei não tiveram resposta. Teria sido tão fácil abrir a boca, reclamar dela a promessa feita. Seria, mas só se eu não tivesse a alma sempre pegando fogo. O difícil era exatamente abrir a boca, explicar o que se passava. Já preferia sofrer a explicar o que se passava.