Ufe! Que trabalhei hoje! Vou tomar um cafezinho.

Largou a régua e lápis e deu o fora. No café, pediu média, pão com manteiga dupla. Depois reconsiderou: “Suspende a média. Não quero nada. Muchas gracias, Baudelaire”. Saiu e andou até a Brahma, onde pediu um Macieira duplo.

Às onze da noite, estava estirado debaixo da mesa, lambuzado de vômito e bebida. Do mundo dos filisteus chegavam-lhe ruídos de copos, risos, frases de reprovação, que ouvia com indiferença. Súbito, levantou-se de um salto. Alguém havia dito: “Que miséria”! De dedo em riste, partiu em direção à voz: “Miséria não, salaud, fartura, fartura viu”. E indo aos bolsos, trouxe de lá três notas de mil cruzeiros e uma de quinhentos, dessas grandes, a que ele chamava tapetes d’almo.

Deu-se o inesperado. O palpiteiro infeliz era justamente o Passarinho: “Passarinho, meu anjo”! E caiu a soluçar nos braços do amigo. Passarinho estava digno à beça, mas foi, aos poucos, caindo no clima do outro. Que diabo, era preciso fazer jus ao memorável encontro. “Vou te dar, garoto, um rabo de galo que te põe novo em folha”. Passarinho segredou ao garçom a receita misteriosa. O desenhista do Serviço de Engenharia bebeu a droga com repugnância. Ficou morto quinze minutos. Depois, ergueu a cabeça, olhou superior os circunstantes miseráveis, sentou-se, limpou-se, exclamou: “Meher licht”! ― O que significava “mais ar”!

“Lapa”! ― ordenou Passarinho ao motorista. “Passarinho, você é o único sujeito genial de São Sebastião”!

Saíram da Lapa, dizendo horrores dela. Que pouca vergonha! Que senhoras mais horrorosas! Que melancolia! Ó tempos de antanho! Ó bons tempos! O' Imperial!

Em Copacabana, começaram pelo Posto 2. Passarinho ainda tinha o seu cartaz. Os gerentes o respeitavam. Às cinco e meia, estavam num boteco sujo do posto 6. “Vamos tomar a cafiaspirina”, ponderou o Passarinho. Cafiaspirina, era a penúltima cipoada, que a última era no bar perto de casa, para dar coragem. “Duas brancas, Baudelaire”. O português negou de cara fechada. Não serviria coisa nenhuma. Que eles fossem baixar em outra parte. O desenhista da engenharia foi às barbas do lusitano: “Sabe com quem v. excia. está falando”? ― “Pode ser até o doutor Getúlio que pouco me importa”. ― “Pois não é nada disso, ‘seu’ Camões: aqui está o PASSARINHO, ouviu”? ― “Que vá passarinhar em outro lugar” ― trocadilhou com maus modos o português. Passarinho pegou uma garrafa, o desenhista pegou uma cadeira. Iam fechar o baile. A turma do “deixa disso” adiou o incidente.

O bate-boca prosseguiu. Insulto vai, insulto vem chegaram dois policiais e novamente, deu-se o inesperado. “Passarinho, querido”! E, sob o olhar pasmado dos circunstantes miseráveis, a lei e a desordem abraçaram-se carinhosamente às seis horas da manhã. O policial, com um sorriso, inteirou-se do ocorrido. O português expôs seus motivos. O policial cortou a exposição: “Escuta aqui, velhinho, sabe quem é este cidadão”? ― “Sei, é um tal de Passarinho, mas não está certo ele vir fazer desordem aonde não bebeu” ― “Que desordem qual nada! Passarinho não é de briga! A não ser quando o desacatam.... Então, é o diabo”...

Sentaram-se, pediram quatro pernambucanas. O dono do boteco disse que palavra de rei não volta atrás. Passarinho fez um gesto para o policia, e este passou-lhe o revólver. De Colt em punho, chegou aos peitos cabeludos do português: “Serve, ou não serve, Bocage” ― “Assim, eu sirvo, mas vou me queixar depois ao comissário”.

Beberam, riram, lembraram os bons tempos. Saíram daí a pouco, Passarinho ainda com o revólver, o desenhista da engenharia com uma garrafa de uísque. Depararam então com uma fila de leite. Indignaram-se todos. Marmanjo fazer fila para beber leite! Já para casa, seus cafajestes! E Passarinho cutucava homens e mulheres com o cano do revolver entre gritos de pânico e protesto. Dispersada a fila, Passarinho começou a disparar o revolver em direção ao mar.

No distrito, com muita dó dos presos, Passarinho serviu uísque a todo mundo. Pobrezinhos! A garrafa rodou de boca em boca. Chegando, o comissário disse ao plantão: “Ué, o pessoal está animado hoje”. E depois, percebendo o Passarinho: “Passarinho, meu filho, há quanto tempo”!

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